As instituições de Justiça que atuam no caso Samarco – Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP/MG), Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DP/ES) e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) – obtiveram decisão judicial que obriga a Fundação Renova e suas mantenedoras – Vale, BHP Billiton e Samarco – a realizar contrapropaganda do material publicitário divulgado sobre o desastre do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana (MG).
A ação civil pública (nº 1023835-46.2021.4.01.3800), ajuizada em 2021, demonstrou que a Fundação Renova veiculava material publicitário com “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas” sobre questões essenciais como toxicidade dos rejeitos, qualidade do ambiente aquático, recuperação de nascentes, bioengenharia, recuperação econômica, indenização e reassentamento. Entre 2018 e 2021, a fundação investiu R$ 28,1 milhões em publicidade, com destaque para R$ 17,4 milhões gastos em pouco mais de um mês entre setembro e outubro de 2020.
O Juízo da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte concluiu que a Fundação Renova desviou sua finalidade ao criar uma campanha publicitária para autopromoção, desrespeitando seu próprio estatuto e as vítimas do desastre. Segundo a decisão, a fundação tentou controlar a narrativa, disseminando desinformação de forma imoral e ilegal.
A sentença determina que a Renova produza novas peças publicitárias corrigindo as inverdades e distorções das propagandas originais e a condena ao pagamento de R$ 56.302.564,60 por danos materiais e morais, valor a ser atualizado e corrigido monetariamente.
As propagandas abordaram temas como toxicidade dos resíduos, qualidade da água, pagamento de indenizações, obras de infraestrutura e reassentamento, mas em quase todos os casos, o conteúdo foi considerado desinformativo e enganoso. Por exemplo, as peças publicitárias ignoraram estudos que apontavam contaminação por metais em pescados na área afetada e forneceram números imprecisos sobre indenizações pagas e municípios atingidos.
Até 2021, a Renova havia construído apenas cinco das 235 casas previstas para reassentamento, e muitas famílias estavam insatisfeitas com os lotes ou projetos oferecidos. A sentença observou que o valor gasto em publicidade poderia ter sido utilizado para construir 146 casas de dois dormitórios ou 80 casas de três dormitórios, evidenciando um desvio de recursos que deveriam ser direcionados à reparação.
A Justiça também considerou que a Renova agiu de má-fé ao defender informações falsas e responsabilizar terceiros pelos atrasos e dificuldades no processo de reparação. A fundação foi criticada por sua falta de autocrítica e transparência, priorizando a autopromoção sobre o compromisso com a reparação das vítimas.
As propagandas violaram princípios do Direito Ambiental, como os de prevenção e precaução, além de cláusulas do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), que exigem informações transparentes e objetivas. A publicidade foi considerada um desvio de finalidade, com intenção de desinformar e afastar as vítimas de seus direitos.
A Justiça Federal reconheceu o dano moral coletivo causado às vítimas do desastre e à sociedade, afirmando que a romantização da reparação nas peças publicitárias configura uma nova violência à memória das vítimas. A sentença destaca que as ações de publicidade da Renova minimizam o impacto da tragédia, contrariamente ao entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que vê o reconhecimento de responsabilidade como parte fundamental da reparação.
Redação, com informações do MPF