Vinte novos juízes foram empossados recentemente pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Na foto da solenidade, sorrisos pelo objetivo alcançado. Mas para um deles, Luís Ricardo Fulgoni, a conquista tinha um sabor especial.
Ele será juiz substituto em Bela Vista do Paraíso, no norte do Paraná, e recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) durante a pandemia. O TEA é caracterizado por uma alteração no desenvolvimento cerebral que causa mudanças na comunicação social e comportamentos repetitivos e estereotipados.
Para quem vive com o quadro, alterações sensoriais, como o incômodo extremo com certos barulhos ou texturas, e um repertório específico de interesses – chamado também de hiperfoco – costumam ser comuns. Não é possível afirmar o número de brasileiros considerados autistas. Pela primeira vez, o Censo deste ano terá uma questão sobre a condição no formulário.
A descoberta
Fulgoni era oficial de justiça concursado no Rio de Janeiro quando decidiu mergulhar nos estudos e realizar o sonho de virar magistrado. Porém, veio a pandemia de Covid-19 e as provas foram adiadas.
A mudança na rotina desencadeou fortes crises em Fulgoni, algo que ele nunca havia passado. Foi quando decidiu buscar ajuda médica. Após várias consultas, ele recebeu o diagnóstico.
“Eu não sabia que era autista. Sempre fui uma pessoa diferente, me considerava chato, com algumas manias. Não dava bom dia, achava aquilo normal. Toda aquela imprevisibilidade que a pandemia trouxe fez com que crises se manifestassem. Em uma delas, passei o dia inteiro na cama. No início, foi um verdadeiro choque”, explicou.
A descoberta da condição quase fez Fulgoni abandonar tudo. “Eu pensava: Um juiz pode ser autista? Pode, e como pode. Eu mesmo me limitava”, conta.
Primeiro contato com o Judiciário foi após assassinato da irmã
Fulgoni foi criado na periferia de Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro. Os pais se separaram cedo, e ele recebeu ajuda dos avós na criação. Mas o pilar dele era a irmã mais nova Priscila, vítima de feminicídio em 2006.
Priscila tinha 16 anos quando foi assassinada pelo namorado. Na época ele tinha 19 anos, era servidor do INSS e estudava Direito. O crime levou Fulgoni a procurar o Judiciário pela primeira vez.
“Não fui acolhido pelo sistema de justiça. Precisava de um ofício para que a companhia telefônica instalasse o identificador de chamadas no meu telefone porque o assassino ligava em casa. Esse foi o tratamento que recebi naquela época”, comentou.
Em uma investigação própria, Fulgoni conseguiu localizar o suspeito em Minas Gerais e foi atrás dele.
“Ele foi preso no meu carro. Cheguei na cidadezinha, avisei os policiais e fomos lá. Apesar desse episódio, não desacreditei do Poder Judiciário e achei que poderia fazer diferente da forma como fui tratado”, lembra.
Superação
O então estudante teve que vencer muito mais do que os conflitos internos. Ele tinha uma série de etapas do concurso do TJ-PR a vencer.
Quando chegou a avaliação psicológica, tratou de ser sincero com a banca examinadora.
“Cheguei para os psicólogos do tribunal e disse: Eu sou autista. Mas a reação foi a melhor possível. Me senti acolhido. Até mesmo me emocionei, porque, de fato, eles reconheciam o meu transtorno”, relatou.
Hoje ele está em uma espécie de “estágio” no Judiciário paranaense. No final de julho os vinte juízes recém-empossados começaram a preparação da Escola Judicial do Paraná, obrigatória antes de assumirem os cargos.
Fulgoni diz já sabe como irá despachar as sentenças e decisões:
“Com muita humanidade. Eu tenho muito orgulho de ser quem sou, de onde vim e onde consegui chegar, mesmo tendo o espectro autista. Talvez eu possa ser exemplo para outras pessoas de que, é possível sim, vencer. A gente precisa vencer essa barreira de que o autismo é sinônimo de incapacidade. Não é”, completou.
Com informações do G1