Pessoas físicas tornaram-se parte – como devedoras – de um processo de recuperação judicial de empresas. A medida, inédita no país, ocorreu por determinação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os desembargadores consideraram que elas agiram em conluio com as companhias em crise para prejudicar os credores e, por esse motivo, teriam que responder com o patrimônio pessoal.
A decisão surpreendeu especialistas. Além de nunca ter acontecido antes, não existe previsão em lei. O processo de recuperação judicial é específico para empresas. Há exceção apenas para produtores rurais e, ainda assim, uma série de requisitos precisa ser preenchida.
Geralmente, quando há indícios de fraude, dizem advogados, os sócios são afastados, verifica-se a situação econômica da empresa e, se os credores entenderem que não há viabilidade, o juiz decreta a falência. Depois disso é que se aplica a chamada desconsideração da personalidade jurídica para que o sócio responda, com os próprios bens, pelas dívidas da empresa.
Os desembargadores decidiram de forma diferente – antecipando a participação das pessoas físicas para a recuperação judicial – no processo envolvendo o Grupo CBA, de Jundiaí, no interior de São Paulo. O pedido de recuperação foi feito em abril de 2015 e incluía sete empresas.
As coisas começaram a mudar de rumo quando um dos credores, o Banco Daycoval, protocolou petição denunciando fraude processual e esvaziamento patrimonial das empresas. Isso aconteceu alguns meses depois do pedido de recuperação ter sido apresentado à Justiça.
Segundo o banco, o grupo tinha um sistema de caixa único e outras empresas que se relacionam e fazem remessas entre si (bens, títulos e dinheiro) não foram incluídas no processo de recuperação.
“Os fatos e documentos não dão margem a outra interpretação senão a da segregação artificial que a família proprietária das recuperandas e demais empresas do grupo tentam produzir para separar a parte sadia de seu império, da parte contaminada por dívidas”, disse ao juiz naquela ocasião.
Um parecer do administrador judicial do caso reforçou a tese. Ele fez constar, no processo, que percebeu algo estranho ao organizar a lista de credores das empresas. Havia muitos créditos quirografários, de valores altos, em favor de companhias que, mais tarde, após investigações, foram identificadas como parte do grupo.
O juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Jundiaí suspendeu o processo de recuperação judicial. Ele determinou, num primeiro momento, a inclusão de três empresas do grupo que haviam ficado de fora da recuperação. Esse foi o primeiro desdobramento do caso.
O segundo veio com o desenrolar do processo. O juiz entendeu existir confusão administrativa e patrimonial com mais três empresas. Essas companhias estão em nome de familiares do dono do Grupo CBA. Aqui, o magistrado optou por incluir no processo as empresas e seis sócios pessoas físicas – que recorreram da decisão ao tribunal.
O TJ-SP julgou o caso recentemente. A análise foi feita pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, que decidiu manter integralmente a sentença do juiz de primeira instância.
“Não obstante estar-se diante de sociedades solventes, estas tiveram parte de seu patrimônio constituído mediante operações fraudulentas, pormenorizadas em relação a cada pessoa natural e jurídica abrangida pela decisão de desconsideração”, afirma o desembargador Ricardo Negrão, relator do caso. A decisão foi unânime.
Processo nº 2253364-34.2021.8.26.0000
Com informações do Valor