O juízo da 4ª Vara Criminal de Florianópolis (TJ-SC) condenou um servidor municipal pelo crime de injúria qualificada pelo preconceito e também por ameaça. O caso ocorreu na manhã de 11 de outubro de 2020, na Avenida Hercílio Luz, no centro de Florianópolis.
Pelo que consta dos autos, a vítima – jornalista e ex-vereador – estava de carro quando foi abordada por outro motorista, ambos parados na sinaleira. Depois de ver no carro da vítima havia um adesivo de um partido e de um arco-íris, símbolo do movimento LGBTQi+, o agressor baixou o vidro do seu automóvel e passou a lhe ofender com diversas palavras preconceituosas e de baixo calão.
Não satisfeito, perseguiu a vítima, ficou outra vez lado a lado – em outra sinaleira – e o ameaçou: “cuidado para não tomar um tiro na cara, vocês merecem morrer”.
O agressor negou as acusações e disse, entre outros pontos, que ele foi ameaçado e xingado. Afirmou ter dito bom dia ao passageiro do carro ao lado e, após ter visto o adesivo na janela, perguntou se a vítima e as testemunhas que o acompanhavam eram favoráveis às drogas. Confessou que a “conversa” degringolou e que realmente xingou a vítima, embora sustente ter sido provocado.
“A justificativa, porém, está vazia de conteúdo e não se sustenta”, anotou o magistrado na sentença. “E mesmo que fosse verdadeira, não descaracteriza o ilícito penal, ainda que pudesse, em tese, ser aplicado o perdão judicial”, afirmou.
Pelo que afirma o Ministério Público, autor da ação, os fatos apurados não teriam sido isolados na vida do acusado, envolvido em outros registros policiais. “Tais registros não formam convicção quanto à prática dos crimes, mas somados às provas produzidas neste processo reforçam a tese acusatória”, escreveu o juiz.
Segundo ele, com base nas fotos, vídeos, no relato das testemunhas e nas incongruências das testemunhas de defesa, a materialidade e autoria do crime ficaram plenamente comprovadas.
O magistrado lembrou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF, no qual entendeu que a motivação homofóbica é uma espécie de racismo.
Sendo assim, “constatada a motivação homofóbica na conduta de injuriar, não pode o juiz negar a tipicidade da conduta, sob pena de afrontar à autoridade da decisão proferida pelo guardião da Constituição, mesmo porque um sistema jurídico que se pretende harmônico e coerente respeita os precedentes vinculantes”, ressaltou.
“A mesma dignidade que ampara o acusado em suas escolhas e decisões livres também assegura, em igual peso, a vítima de ser livre para viver de acordo com suas convicções, desde que ambos respeitem o limite que transcende suas esferas individuais e não ofendam direitos alheios”, prosseguiu o magistrado.
Assim, pelos crimes de injúria qualificada e ameaça, em concurso material de crimes, o magistrado estabeleceu a pena em mês de detenção, substituída prestação pecuniária de um salário mínimo a ser pago à vítima, além de prestação de serviços à comunidade. As ofensas e ameaças tinham como pano de fundo questões político-partidárias, assunto cuja competência estadual atualmente é da 4ª Vara Criminal.
(AÇÃO PENAL – PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº 5062604-62.2021.8.24.0023/SC)
Com informações do TJ-SC