Sem a intenção de subtrair a coisa e de se apoderar dela como se dono fosse, não há furto. Com essa fundamentação, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) deu provimento ao recurso de apelação de um homem para absolvê-lo da acusação de furtar um caminhão avaliado em R$ 300 mil. Em primeiro grau, o réu foi condenado a quatro anos e dois dias de reclusão, em regime inicial fechado.
Para o colegiado, a prova produzida indicou a ocorrência do crime de receptação, sendo insuficiente para condenar o homem por furto qualificado. No entanto, como na fase de recurso a desclassificação ofenderia o princípio de correlação entre a denúncia e a sentença, o acórdão absolveu o apelante nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal).
“Alterar neste momento o cenário posto pela promotoria significaria modificar os fatos narrados, ou seja, incidiríamos em hipótese de mutatio libelli, manobra vedada nesta instância, de acordo com a Súmula nº 453 do STF”, observou o desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa, relator do recurso. Os desembargadores Jorge Wagih Massad e Maria José de Toledo Marcondes Teixeira seguiram o seu voto.
Previsto no artigo 384 do CPP, o instituto do mutatio libelli permite ao Ministério Público, se assim entender cabível e após o encerramento da instrução probatória, aditar a denúncia para alterar a definição jurídica do fato. A Súmula 453 do STF, por sua vez, veda a aplicação da regra processual penal em segunda instância, conforme a ressalva do acórdão do TJ-PR.
Sem dolo específico
A advogada Elisângela Estela Ferreira Prado expôs nas razões recursais que o MP “apenas presume que o apelante praticou o furto, mas não demonstra, não comprova o dolo de subtração, animus furandi, tampouco a intenção de apoderar-se definitivamente da coisa, animus rem sibi habendi, elementos essenciais para a configuração do delito, sendo que a ausência destes concerne em atipicidade de conduta”.
A defensora reforçou a sua tese alegando que, além do elemento subjetivo do furto, caracterizado pelo dolo de subtração, é “essencial” ao agente também querer a coisa em definitivo, “e não somente usá-la temporariamente”. A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo conhecimento e provimento do apelo. No mesmo sentido, a 5ª Câmara Criminal decidiu: “A autoria é incerta, não sendo possível imputá-la ao réu”.
O homem foi preso em flagrante no último dia 8 fevereiro, na Rodovia PR-323, no trecho de Cianorte (PR). Ele dirigia um caminhão que foi roubado em um posto de combustíveis no município de Umuarama. Após receber no celular um alerta do sistema de rastreamento de que o veículo estava em movimento, o seu dono avisou a Polícia Rodoviária e indicou a rota de fuga, possibilitando a detenção.
Em seus depoimentos judiciais, os dois policiais autores da prisão disseram que o acusado alegou ter sido contratado para dirigir o caminhão até Maringá, onde deveria deixá-lo em outro posto. O réu afirmou que receberia dinheiro para fazer essa tarefa, mas não ficou combinado qual o valor. Ele também informou que se deparou com o veículo já aberto e ligado. Na ignição havia uma chave falsa.
Apesar disso, o juízo da 2ª Vara Criminal de Umuarama (PR) se convenceu de que ele cometeu o crime descrito na denúncia e o condenou. Conforme o acórdão, porém, não há imagens de câmeras de segurança do local da subtração, testemunhas oculares ou quaisquer outros indícios que caracterizem o furto qualificado. “Resta clarividente que a conduta perpetrada pelo denunciado se trata de crime de receptação”.
Processo 0001051-46.2022.8.16.0069
Com informações da Conjur