Está nas mãos da 3ª Vara Federal de Bauru (SP), a possível garantia do início de tratamento para pessoas diagnosticadas com câncer no Sistema Único de Saúde (SUS) em até 60 dias, conforme prevê a Lei 12.732/2012. Uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre esse tema foi distribuída no dia 24 de outubro.
Para garantir os direitos dos usuários do SUS, o MPF requer que a União adote, em 90 dias, as providências para que seja reativado o módulo de tratamento do Sistema de Informação do Câncer (Siscan) ou institua outro sistema confiável e compatível, permitindo o registro adequado de dados de pacientes diagnosticados com câncer.
O estado de São Paulo também deve ter o mesmo prazo para impor controle e transparência às filas de espera do SUS, seja por meio da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross) ou outro sistema, garantindo prioridade aos pacientes oncológicos em consultas, exames, cirurgias, quimioterapia e radioterapia.
Com isso, os réus deverão cumprir os prazos estabelecidos na legislação, pede o MPF, assegurando que, nas hipóteses de neoplasias malignas, o diagnóstico ocorra em até 30 dias e o tratamento seja iniciado no prazo de 60 dias ou menos, conforme a necessidade terapêutica do caso.
A ACP também requer que sejam identificados e informados os nomes de todos os usuários do SUS que, desde a entrada em vigor da Lei 12.732/2012, morreram com diagnóstico de câncer após demora no início do tratamento. Para cada um desses pacientes, o MPF solicita que os réus sejam condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 100 mil.
É requerida ainda indenização de pelo menos R$ 50 mil por usuário do SUS que não teve acesso à terapia contra o câncer no prazo máximo de 60 dias. Por fim, a ação pede que a União e o estado de São Paulo paguem no mínimo R$ 10 milhões, caso não consigam identificar todos os pacientes oncológicos cujos direitos ao tratamento foram desrespeitados.
Amplo e complexo
O descumprimento do prazo para início do tratamento eleva o número de mortes pela doença. Mas uma solução está distante. A normalização do atendimento e dos registros dos pacientes deveria provocar uma melhora no tratamento e evitar mais mortes. Porém, há também de serem levados em conta a enorme demanda para tratamento oncológico no país, a estrutura subdimensionada do sistema — incluindo profissionais da saúde e estrutura física e equipamentos —, os valores dos repasses às instituições que atendem oncologia, além da burocracia.
Também não há como estimar um prazo para que os pacientes sintam melhora no atendimento na rede pública, uma vez que a falta de dados adequados e inconsistência dos registros está impregnada no SUS há pelo menos cinco anos.
“A oncologia é um tratamento de alta complexidade e ultrapassa o teto da verba repassada pelo SUS aos hospitais, onde mais de 65% dos tratamentos da rede pública estão baseados em instituições filantrópicas. Não adianta multar por atraso no início desse tratamento se não houver uma rede melhor estruturada para tratar câncer”, reclama a advogada especializad, sócia-diretora do Rodrigues Faria Advogados, de Santos.
Murilo Aranha vai mais longe para explicar a situação. “A multa em si para o descumprimento da lei é um fato que vai ficar vago. É necessária uma solução prática para o problema, como reestruturar os equipamentos públicos, cujo atendimento está muito inchado, além de melhorar a burocracia, muito extensa, e também resolver as brechas deixadas na lei, como o início da contagem do prazo para começar o atendimento. Só ordem judicial às vezes não é suficiente para resolver o problema. Talvez os pacientes possam sentir de fato alguma alteração quando as multas começarem a ser aplicadas, mas se não solucionar os pontos vagos da lei específica, não haverá avanço”, adverte,
Médio e longo prazos
Uma vez deliberadas pelo juiz federal, avalia a advogada Juliana Paro, do Bonomi e Paro Advogados, de São Paulo, as determinações positivas só serão sentidas pelos usuários do SUS em médio e longo prazos; mas também serão necessárias outras modificações no sistema de atendimento aos pacientes diagnosticados com neoplasia.
“As determinações judiciais por causa da ACP serão um passo importante, mas não vão resolver 100%. Não será de um dia para o outros que haverá um resultado melhor. É preciso reestruturar todo o sistema que apresenta inconsistências, conforme o próprio MPF já pôde constatar”, explica Juliana.
O início de tudo
O processo, movido pelo MPF contra a União e o governo do Estado de São Paulo, teve como base o caso de uma mulher que em dezembro de 2021 foi diagnosticada com câncer nos ossos, iniciado nas mamas, e estava internada no Hospital Estadual de Bauru, interior paulista, sem conseguir agendar as sessões de quimioterapia.
A partir desse caso, foi possível constatar que o registro e o monitoramento dos casos de câncer em São Paulo e no Brasil não têm sido feitos da forma correta, devido à ausência de uma ferramenta oficial para cadastro das informações no Ministério da Saúde.
Com informações da Conjur