O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou memorial ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (4), defendendo que o Ministério Público tem legitimidade para requerer, sem a necessidade de ordem judicial, a preservação de provas digitais que estejam em poder de provedores de internet.
Para o PGR, o pedido extrajudicial do MP para a guarda de registros telemáticos, sem acesso a seu conteúdo, encontra respaldo na Constituição Federal, na Lei Complementar 75/1993, que disciplina o funcionamento do MP, bem como no Marco Civil da Internet (Lei 8.625/1993) e na Convenção de Budapeste sobre Crimes Cibernéticos.
A manifestação se deu no Habeas Corpus (HC) 222.141, sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. No parecer, Aras pede que o processo seja afetado ao Plenário da Corte ou, subsidiariamente, destacado para julgamento presencial na Segunda Turma do STF. Ele salienta a importância da medida, pois será a primeira vez que a Corte estabelecerá um precedente sobre os procedimentos a serem adotados para obtenção de prova digital, com amplo debate.
O pano de fundo do processo diz respeito a um pedido extrajudicial, feito em 2019 pelo MP do Paraná, à Apple Computer Brasil e ao Google do Brasil, para obter a identificação das contas de uma investigada. No requerimento feito diretamente às empresas, o órgão acusador solicitou apenas a preservação dos dados coletados a partir das contas de usuários vinculados, como dados cadastrais, histórico de pesquisa, o conteúdo de e-mails e mensagens, fotos, contatos e histórico de localização. Não foi solicitado acesso ao conteúdo dos dados.
Primeiramente, Augusto Aras esclarece existir distinção entre a preservação cautelar do conteúdo armazenado nos provedores de internet – para a garantia de sua integridade e a viabilização da posterior análise judicial quanto ao requerimento para acessá-lo – e o acesso propriamente dito ao conteúdo preservado, que só pode ser obtido por meio de decisão judicial.
Aras explica que, conforme o Marco Civil da Internet, o armazenamento do material telemático pelas plataformas de internet é obrigação dos provedores, que devem guardar os registros de conexão, pelo prazo de 1 ano, e os de aplicação, por 6 meses.
Há a possibilidade de pedido de preservação por período superior, sempre a pedido do Ministério Público, da Polícia ou de autoridade administrativa. No entanto, a autorização da divulgação do conteúdo desses registros está sempre sujeita à autorização judicial.
A mera preservação de dados e de informações, por meio de cópias de segurança, visa a assegurar, em especial, a integridade da cadeia de custódia da prova. Para Aras, exigir que somente por meio de autorização judicial os provedores guardem dados pessoais dos seus usuários inviabilizaria até o armazenamento em nuvem, pois esses provedores não poderiam sequer criar tais cópias de segurança.
“Condicionar à prévia autorização judicial a simples preservação do conteúdo ilícito propagado na Internet não somente é incompatível com a efemeridade característica das evidências digitais, mas também vai de encontro à própria norma constante no art. 13, § 2º da Lei 12.965/2014”, afirma.
Caso concreto
Ao se manifestar sobre o HC 222.141, o procurador-geral reafirma a licitude das provas obtidas pelo MP paranaense. Em 22 de novembro de 2019, o MP pediu extrajudicialmente à Apple do Brasil a preservação das provas digitais envolvendo a investigada e, em seguida, no dia 29 daquele mês, requereu à Justiça a quebra de dados telemáticos da paciente. A decisão judicial foi em 3 de dezembro de 2019, e a Apple encaminhou resposta três semanas após a ordem.
No caso concreto, a paciente deixou de demonstrar que a solicitação de preservação do Ministério Público efetivamente foi o que motivou a guarda dos dados usados na investigação e como o suposto ato a teria prejudicado. “Está ausente, portanto, o nexo de causalidade entre as solicitações extrajudiciais do Ministério Público e a suposta indisponibilidade dos dados dos investigados”.
Íntegra da manifestação no HC 222.141
Com informações do MPF