“Fui arrancada da minha cadeira de balanço, jogada de costas no chão e desmaiei. Acordei numa poça de sangue porque bati com a cabeça. Tive o nariz quebrado, a ruptura dos maxilares, edemas pelo couro cabeludo inteiro, costelas quebradas pelos chutes que ele me dava”.
O depoimento é da desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho Silvia Prado, que sofreu a violência no início deste ano. O suspeito da agressão é Miguel Correa Mantilha Filho, 49 anos, um advogado de Campinas (SP), investigado pelo Ministério Público pelo crime e alvo de ao menos 11 denúncias de violência contra sete mulheres. A defesa dele nega as agressões.
A EPTV, afiliada da TV Globo, teve acesso ao caso e a outras vítimas do advogado, que se relacionou com as mulheres em Campinas e também em cidades do litoral paulista.
Os boletins de ocorrência contra o suspeito citam crimes de ameaça, dano, injúria, lesão corporal e violência doméstica, e os primeiros casos ocorreram na metrópole. As Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) de Campinas, Santos e Guarujá seguem investigando Miguel para esclarecer todos os fatos.
Relacionamentos começaram em rede social
Silvia tinha acabado de enfrentar uma depressão profunda após a morte do esposo quando conheceu Miguel em uma rede social. “Uma pessoa com nível intelectual fora do normal”, segundo ela. Em janeiro, quando foi espancada por duas horas, uma vizinha chamou a polícia.
“O soldado tirou ele de mim quando eu estava dando o meu último fôlego e entregando a minha alma a Deus, porque eu achei que eu já estava morta”. Silvia ficou oito dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
O caso corre em segredo de Justiça, mas no dia 26 de fevereiro ele postou uma nota na sua rede social comentando o que havia acontecido. No texto, ele afirma ser inocente e diz que apenas teria tentado controlar Silvia, que estaria sob efeito de álcool.
O caso foi registrado como lesão corporal, mas a defesa de Silvia pede que ele responda por tentativa de feminicídio.
Aparecido Delegá, advogado de Miguel, afirmou que o seu cliente não agrediu Silvia. “Segundo ele houve, sim, o contrário. E ele num intento de se autodefender e também defendê-la para que ela não se machucasse, acabou gerando esses ferimentos nela”, afirmou.
Miguel mandou uma mensagem à reportagem da EPTV dizendo que se recorda de um caso onde discutiu com uma das vítimas e trocaram agressões. Afirmou que houve, sim, uma condenação neste caso. Já em relação a outros processos, ele disse que todos foram arquivados e que nunca agrediu uma mulher.
Agressão 1 ano antes
Em um relacionamento anterior, uma comissária que preferiu não ter o nome revelado na reportagem, disse que também conheceu o advogado por rede social. Após conversas e um pedido de namoro, ele chegou a pedir a mulher em casamento. Foram oito separações por causa de agressão verbal em dois anos.
“Não sei porque o perdão deixa voltar. […] Puxou meus cabelos, me deu um pontapé na costela, que quebrou e foi me arrastando pelo corredor”, contou a ex do advogado, agredida em fevereiro de 2021.
Advogado de Campinas é acusado de agredir mulheres desde 2004
TRT se pronunciou
O TRT disse, em nota, que “repudia veementemente qualquer tipo de violência e mantém o compromisso de continuar atuante nas causas referentes à proteção das mulheres, minorias e demais grupos sujeitos à discriminação e atos violentos”.
Sobre a desembargadora, o Tribunal disse que está “extremamente sensibilizado”. “Ela tem à disposição os especialistas do corpo médico próprio do TRT, e todo o apoio lhe está sendo prestado, dentro dos limites institucionais”.
11 investigações
Sobre os 11 boletins de ocorrência registrados desde 2004, a Secretaria de Segurança Públicas (SSP) informou, em nota, que a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas instaurou dois inquéritos policiais para investigar ocorrências de violência doméstica e lesão corporal contra o suspeito, em 2012.
“Ambos os procedimentos foram relatados à Justiça, sendo que em um deles houve sentença condenatória e em outro o Ministério Público ofertou denúncia”, explicou.
Nos casos ocorridos em 2004, 2009 e 2010, as vítimas não representaram contra o autor, disse a SSP. Já as ocorrências do litoral paulista tramitam em segredo de Justiça.
Veja o teor dos registros feitos por mulheres à Polícia Civil abaixo, em ordem cronológica:
Dezembro de 2004
O primeiro caso foi registrado em Campinas. Miguel foi até a casa da ex-mulher para ter uma conversa, mas ela não queria e trancou a porta. Segundo a ocorrência, ele ficou com raiva, quebrou os vidros das portas da sala e da cozinha.
Maio de 2009
Novamente em Campinas, o advogado é citado no boletim de ocorrência. A Policia Militar foi chamada por vizinhos da vítima após ouvirem pedidos de socorro no Centro da cidade. A então namorada dele foi socorrida e precisou ser internada com ferimentos por todo o corpo e suspeita de fratura na costela.
Dezembro de 2010
Dentro de um carro, a ex-namorada foi novamente alvo do agressor. Segundo o registro policial, foram vários socos no braço e na cabeça, e o homem ainda teria puxado o pescoço dela com força para impedir que ela saísse do veículo. Desta vez, ela conseguiu fugir.
Março de 2012
Outra moradora de Campinas, que teria se casado com Miguel, relatou ter sido atingida por um objeto na cabeça enquanto ele arremessava vários objetos no apartamento do casal. Ela não quis passar por atendimento médico.
Junho de 2012
A mesma vítima relatou uma segunda discussão meses depois. Disse na delegacia ter sido ofendida moralmente por Miguel e foi orientada pelos policiais a recorrer à Lei Maria da Penha.
Agosto de 2012
O casal teve uma nova discussão em agosto daquele ano, que terminou com os dois feridos. Ela foi para a casa do irmão por temia pela sua integridade física. O registro também aponta que Miguel alegou que vinha sofrendo agressões por parte dela, mas que teria surtado e revidado.
Novembro de 2013
Agora em um novo relacionamento, Miguel teria puxado a mulher pelo braço em Santos (SP) e a arrastado até a porta da casa. Ela registrou o caso na delegacia da cidade. O envolvimento durou 30 dias e os dois já estavam separados há dois meses quando a agressão aconteceu.
Agosto de 2014
Em outro relacionamento, no Guarujá (SP), policiais foram chamados para separar uma briga de casal. Segundo o relato de Miguel, os dois bebiam no apartamento quando iniciaram uma discussão e se agrediram. A vítima negou ter começado a briga.
Fevereiro de 2015
A mesma mulher da ocorrência anterior registrou um novo boletim na delegacia. Ele teria ofendido a mulher e a ameaçado de morte. “Você quer morrer, você vai morrer agora. Você vai se encontrar com sua mãe agora, eu vou te matar agora”, diz o relato da vítima.
Após a ameaça, ele teria empurrado a mulher contra a parede. Ela voltou para Campinas para morar com familiares e registrou o caso na Delegacia da Mulher.
Fevereiro de 2021
A então companheira de Miguel – uma das entrevistadas no início da reportagem – disse no registro policial que ele fazia uso excessivo de bebida alcoólica e ficava agressivo. No depoimento, contou que já tinha sofrido violência doméstica por ele, e que na última briga , ele a jogou no chão e a puxou pelo cabelo enquanto xingava.
Janeiro de 2022
Foi o caso da desembargadora Silvia. A agressão ocorreu no Guarujá e a polícia foi chamada por vizinhos. Ela relatou aos policiais que, após uma discussão, ele a agrediu com socos, tapas, chutes, empurrões e pontapés. Já ele afirmou que houve uma pequena discussão e que teria se defendido de agressões da mulher.
Na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), a médica constatou os ferimentos em Silvia, mas não em Miguel. Foi dada voz de prisão contra o advogado, mas ele pagou uma fiança de R$ 3 mil e foi liberado.
O processo corre em segredo de Justiça.
Com informações do G1