O Estado deve ser responsabilizado pela morte de vítimas de arma de fogo quando o disparo do projétil ocorrer durante operação policial ou militar em comunidade e a perícia quanto a origem desse disparo for inconclusiva. Esse foi o posicionamento defendido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, quanto ao julgado no Tema 1.237 da Sistemática da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF). No processo, debate-se a possibilidade de a perícia inconclusiva sobre a autoria dos disparos nessas operações resultar na responsabilização estatal em caso de morte de terceiros.
O caso tem origem em ação movida pelos familiares de um homem de 34 anos que morreu após ser atingido, dentro de casa, por um projétil de arma de fogo durante ação militar no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, em 2015. Na ação, os pais da vítima pediam indenização por dano moral, ressarcimento das despesas de funeral e pagamento de pensão.
Apesar de ter reconhecido a responsabilidade objetiva do Estado no caso, a Justiça entendeu que não havia responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro e nem da União, por ausência de nexo de causalidade. Para o Juízo, caberia aos autores da ação comprovarem que o disparo que vitimou o homem realmente tinha sido feito por militares do Exército.
Jurisprudência
No parecer encaminhado ao STF, Augusto Aras pontua que a Corte tem firme jurisprudência no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado por ações e omissões, nos termos do art. 37 da Constituição Federal. As repercussões dessa responsabilidade civil, à luz da teoria do risco administrativo, segundo ele, já foram enfrentadas em diversas ocasiões, nos julgamentos de recursos que originaram uma série de temas de Repercussão Geral. Entre eles, o RE 841.526/RS – Tema 592 –, que considera a responsabilidade do Estado por morte de detento, e que, na avaliação do PGR, assemelha-se ao caso em análise.
Ao julgar o recurso, o Supremo definiu duas diretrizes para auxiliar a resolução da controvérsia presente: a primeira é de que o ato omissivo apto a ensejar a responsabilidade civil estatal é aquele em que o Estado tem o dever legal específico e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso, demonstrando causalidade específica entre a falta de ação estatal e o dano causado. Já a segunda esclarece que cabe ao Estado – e não ao particular ou à vítima – comprovar a existência de uma ou mais causas que impediram a sua atuação protetiva. A medida, então, quebraria o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
A segunda hipótese, esclarece Aras, trata da inversão do ônus da prova. “O Estado é responsável pelos danos causados a terceiro decorrentes da troca de tiros entre policiais e criminosos quando não for capaz de comprovar a existência de outra causa apta a produzir o dano que não a conduta estatal”, afirma. A inversão do ônus pela produção da prova ao Estado funciona como uma garantia processual de que as mortes violentas ocorridas nas operações não ficarão sem a respectiva indenização, quando decorrerem do descumprimento do dever de preservar a integridade física dos cidadãos e moradores da região impactada pela atividade.
O procurador-geral ressalta, ainda, que a ausência de uma perícia conclusiva para identificar a origem do disparo que atingiu a vítima, por si só, “não afasta o dever estatal de reparar os danos causados”, principalmente nos casos em que a investigação criminal não foi concluída. “O ônus probatório imputado ao Estado requer a demonstração adequada da causa excludente do nexo de causalidade, sendo insuficiente a mera ausência de identificação da origem do disparo”, reforça.
Tese
Ao opinar pelo provimento do recurso extraordinário com agravo, o procurador-geral da República sugeriu a seguinte tese para o Tema 1.237 da Sistemática da Repercussão Geral: “A perícia inconclusiva acerca da autoria dos disparos de arma de fogo que resultem em morte durante operações policiais ou militares em comunidade é apta a caracterizar a responsabilidade civil estatal em relação ao dano, uma vez que, nesse contexto, é do Estado o ônus da prova da existência de causa independentemente da sua conduta capaz de gerar o resultado”.
Íntegra da manifestação no ARE 1.385.315
Com informações do MPF