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Justiça autoriza interrupção de gravidez de feto com malformações incuráveis

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Não se pode exigir que a mulher mantenha a gestação de um feto que vai morrer logo após o nascimento. Isso significa dar um tratamento desumano e cruel à gestante, em prejuízo de sua saúde física e mental, também garantida pela Constituição Federal.

Com esse entendimento, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) autorizou a interrupção de uma gravidez após o feto ser diagnosticado com “síndrome de body stalk”, uma doença rara e incurável, que impossibilita a vida extrauterina, pois não há cordão umbilical, nem fechamento da parede abdominal do embrião, deixando os órgãos expostos.

Quando estava com 23 semanas de gestação, a mulher acionou o Judiciário em busca de autorização para interromper a gravidez em razão do diagnóstico da “síndrome de body stalk” no feto. Apesar do parecer favorável do Ministério Público, o juízo de origem negou o pedido. O TJ-SP, por sua vez, acolheu o recurso da autora e autorizou o procedimento. A decisão foi por unanimidade. 

Segundo o relator, desembargador Marcos Alexandre Coelho Zilli, o direito à vida previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, além de abranger a vida humana independente, também protege a vida humana intrauterina. Assim, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal previsto nos artigos 124, 125, 126 do Código Penal é a vida do ser humano em formação, seja embrião ou feto.

No entanto, Zilli afirmou que o Código Penal acolheu o sistema de indicações, isto é, embora a vida do feto seja um bem jurídico digno de proteção penal, há situações em que determinados interesses da mãe devem se sobrepor. Nestas hipóteses, portanto, permite-se expressamente a interrupção da gravidez.

Conforme Zilli, o aborto terapêutico, previsto no artigo 128, inciso I, do CP, encontra respaldo no estado de necessidade. Em razão de situação de perigo e da impossibilidade de se proteger, de forma simultânea, a vida do bebê e da gestante, opta-se pela vida da mulher. Ele também destacou o aborto sentimental (artigo 128, inciso II, do CP), que se justifica na violência de uma gravidez não desejada, resultante de estupro.

“Neste caso, há a exclusão da culpabilidade da conduta pela inexigibilidade de conduta diversa, reconhecendo-se doutrinariamente que não seria possível exigir da mãe outro comportamento, considerando-se o sofrimento emocional e psicológico advindo da gestação e maternidade de um feto gerado pelo estupro”, afirmou.

Dentre as hipóteses de aborto legal, disse o magistrado, não está a situação do feto portador de anomalias incompatíveis com a vida extrauterina: “Contudo, na doutrina penal, há quem sustente ser possível a aplicação da excludente supralegal da culpabilidade da inexigibilidade da conduta diversa nesses casos, eis que seria inadmissível exigir outra conduta da mãe, diante do risco à sua saúde mental em razão da gestação de um feto inapto à vida extrauterina.”

O relator também afirmou que, seja sob o fundamento da incidência da causa supralegal da inexigibilidade de conduta diversa, seja pela aplicação de analogia à causa de justificação prevista no artigo 128, inciso I, do CP, é “inviável a punição da gestante que carrega em seu ventre feto que não tenha condições de sobrevivência fora do útero.”

“No âmbito dos tribunais superiores, tais casos têm sido tratados sob o prisma da tipicidade. No Superior Tribunal de Justiça, verifica-se o entendimento de que somente a conduta capaz de inviabilizar nascimento com potencialidade de vida extrauterina subsumir-se-á ao delito de aborto. Assim, o caso do feto portador de anomalia incompatível com a vida fora do ventre materno não se subsume à figura prevista nos artigos 124 a 126 do Código Penal”, frisou.

Na mesma linha, o desembargador lembrou do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 54, julgada em 12 de abril de 2012, em que foi declarada a inconstitucionalidade da interpretação que tipifica como aborto a interrupção voluntária da gravidez em casos de anencefalia fetal. 

Além disso, o relator destacou o parecer de três médicos diferentes pela inviabilidade da vida extrauterina do feto em razão de malformações congênitas incuráveis. Essa situação, na visão do desembargador, coloca em risco a saúde psíquica da gestante caso não seja autorizada a interrupção da gravidez.

“No cenário dramático que se projeta, desenhado pelo confronto de direitos fundamentais, reconheço que o quadro de urgência, somado à inviabilidade da vida extrauterina, recomenda a concessão da liminar. A gravidez encontra-se em estágio relativamente avançado. O decurso do tempo, que é natural da marcha processual, acentuaria o drama psicológico dos pais, em especial da requerente”, concluiu Zilli.

Caso semelhante

Essa não foi a primeira decisão do TJ-SP em 2023 autorizando a interrupção de uma gravidez de feto com malformações que impedem a vida extrauterina. A 11ª Câmara de Direito Criminal autorizou o procedimento após um feto ser diagnosticado com agenesia bilateral (ausência de ambos os rins) e anidrâmnio (ausência de líquido amniótico), além de comprometimento do desenvolvimento pulmonar.

O relator, desembargador Tetsuzo Namba, aplicou, por analogia, a tese firmada pelo STF na ADPF 54. Ele lembrou que a interrupção da gestação ou a antecipação do parto não podem ser considerados fatos típicos, pois o aborto, no Código Penal, pressupõe a potencialidade de vida fora do útero, o que não se verifica no caso dos autos, em que já foi comprovada a impossibilidade de vida extrauterina.

“De outro lado, estão em cheque os direitos fundamentais da mulher, tais como o direito à vida, à saúde e autonomia. A criminalização da interrupção da gravidez quando inviável é a vida extrauterina de seu filho, constituiria em verdadeira punição dupla, na medida em que a paciente seria obrigada a gestar uma vida comprovadamente predestinada ao fracasso, além de submetê-la aos riscos hodiernos de uma gravidez, como se viu”, completou Namba.

Processo 2006276-13.2023.8.26.0000

Com informações da Conjur

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