A companhia de um smartphone é capaz de, a partir dos dados de geolocalização coletados por provedores, apontar onde cada um de nós está em todos os momentos do dia. Em geral, concordamos com esses termos. Mas e se, mesmo quando não há suspeitas de crimes, o sigilo sobre esses dados de localização pudessem ser quebrados para verificar se você realmente estava onde diz? É o que tem acontecido em disputas entre empresas e seus ex-funcionários na Justiça do Trabalho.
Hoje, os usuários precisam aceitar que essas informações sejam usadas de acordo com a finalidade dos serviços nos celulares – com exceções que permitiriam o repasse delas para as autoridades, como em investigações criminais. Mas há um movimento para que os dados de geolocalização se tornem espécie de tira-teima, fornecidas por um agente imparcial, quando não há concordância sobre a jornada de trabalho cumprida.
No último ano, o banco Santander, por exemplo, passou a requerer, na maioria das ações em que ex-funcionários pedem o pagamento de horas extras, que os juízes determinem a quebra do sigilo dos dados de geolocalização dos ex-funcionários.
Nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o assunto aparece em decisões e despachos judiciais ao longo dos últimos meses. Outras companhias também já usam a estratégia.
Ao serem confrontadas no Judiciário com uma demanda pelo pagamento de horas extras, as empresas têm o ônus da prova, ou seja, cabe a elas demonstrar que o funcionário não excedeu as horas contratuais, caso entenda que não deve pagar o que foi requerido.
A lógica é essa porque a CLT prevê a obrigatoriedade de que empresas com mais de 20 funcionários mantenham controle de jornada – por meio do ponto eletrônico, pelo acesso a sistemas internos, uso de VPN ou até aplicativo que registra selfie e dados de GPS do colaborador, por exemplo.
Como costuma haver contestação aos registros feitos pela empresa com anuência dos funcionários, as companhias tem solicitado que sejam coletadas provas nos bancos de dados de operadoras de telefonia, redes sociais, sistemas operacionais de celulares e outras aplicações que possam manter dados sobre geolocalização de usuários.
A estratégia consiste em pedir à Justiça do Trabalho autorização para enviar ofícios às empresas responsáveis por essas tecnologias para que elas entreguem dados compilados para confirmar se o ex-funcionário estava na empresa nos horários de trabalho – por períodos que, frequentemente, se estendem ao longo de anos.
Em última análise, os dados permitiriam circunscrever onde a pessoa esteve também fora do trabalho, a depender do volume e do tratamento de dados compartilhados pelas aplicações – isto é, se elas não filtrarem a exata localização da empresa e os horários apontados na demanda por horas extras.
O compartilhamento desse tipo de informação oferece evidências a mais nas disputas trabalhistas, seja para provar a tese do empregador ou do empregado, mas também pode colocar em risco a privacidade dos envolvidos, a depender do manejo dos dados. Esse debate, provavelmente, só está começando.
Com informações do Jota