Juízes federais vão receber um penduricalho salarial que pode custar até R$ 1 bilhão aos cofres públicos, conforme valor estimado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e que equivale ao pagamento retroativo do chamado adicional por tempo de serviço (ATS). Extinta há 17 anos, o benefício em questão foi restabelecido pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), em decisão de novembro de 2022. Assim, magistrados mais antigos irão receber até R$ 2 milhões cada, referentes ao alegado pagamento atrasado.
A decisão do CJF, que teve competência constitucional reconhecida para tratar da matéria pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, beneficia todos os magistrados federais que ingressaram na carreira até 2006. A cada cinco anos de trabalho, eles tiveram o salário turbinado em 5%.
Um juiz que ingressou na magistratura na década de 1990, por exemplo, teve o contracheque inflado em 30%. Ou seja, passou a ter direito a receber a mais cerca de R$ 10 mil todo mês por causa do benefício. Hoje, um juiz federal tem salário-base de R$ 33,6 mil, sem considerar os penduricalhos.
Além disso, o pagamento será equivalente a todo o período entre 2006 e 2022 em que o adicional ficou suspenso. O TCU acaba de calcular o montante bilionário para cobrir os retroativos.
O benefício é alvo de processo na Corte de contas, que apura se a liberação do pagamento retroativo fere os princípios da moralidade e da legalidade ao criar um mecanismo que pode levar a enriquecimento na magistratura.
O bônus deve beneficiar parte dos 2 mil magistrados federais em atuação no País – juízes de primeira instância e desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Em São Paulo, pelo menos 200 juízes iniciaram a carreira antes de 2006. No Distrito Federal, outros 200 estão na mesma condição.
TCU DISCUTE LEGALIDADE
O procurador Lucas Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, que investiga a concessão desse extra aos juízes, afirmou que o objetivo do processo é avaliar se o benefício fere a legalidade ao distribuir cifras milionárias a magistrados do País.
“No serviço público, uma pessoa pode trabalhar a vida inteira e nunca chegar a receber R$ 1 milhão, por exemplo. O objetivo, portanto, é verificar se o pagamento atende aos princípios da razoabilidade e da legalidade”, disse.
Quando restituiu a medida, o CJF não soube estimar o impacto financeiro da decisão no orçamento. Agora, estimativas feitas pelo TCU apontam que a Justiça Federal já gastou cerca de R$ 130 milhões com os pagamentos retroativos e reconheceu outros R$ 750 milhões de benefícios atrasados que serão pagos mediante disponibilidade orçamentária.
CASO FOI ANALISADO PELO CNJ
A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também preside o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi contra a recriação do adicional na época, mas acabou vencida pela maioria do colegiado. A magistrada, então, recorreu à Corregedoria Nacional de Justiça, pertencente à estrutura do CNJ, para que o órgão dissesse se havia ou não impedimento formal para o início do pagamento aos juízes.
“Havendo manifestação oriunda do Conselho da Justiça Federal, no exercício de suas competências constitucionais, não é atribuição da Corregedoria Nacional exercer controle de legitimidade sobre suas decisões, ressalvada a hipótese de flagrante ilegalidade”, escreveu Salomão.
“Não se observa nenhuma circunstância que obste o seu prosseguimento em relação ao pagamento dos valores retroativos, nos exatos termos do acórdão proferido pelo Conselho da Justiça Federal, que deve ser cumprido sem ressalvas, inclusive quanto à sua consideração como gratificação de acúmulo”, defendeu o corregedor nacional de Justiça em sua decisão.
Após a repercussão do caso, a Corregedoria Nacional de Justiça emitiu um posicionamento.
“O CJF é um órgão autônomo do Poder Judiciário e tem função de supervisão administrativa e orçamentária, com poderes correcionais, da Justiça Federal. A decisão da Corregedoria Nacional apenas reconheceu a competência constitucional do CJF para tratar a matéria, não autorizou nem avaliou valores”, diz a nota da Corregedoria do CNJ.
Com informações do Estadão