Uma menina brasileira de 9 anos que foi entregue para adoção na Alemanha sem o conhecimento e permissão da mãe retornou ao Brasil neste mês de março após decisão da Justiça Federal do Amazonas. O processo de restituição da criança ao Brasil durou quase um ano e levou ao reconhecimento do sequestro internacional institucional.
De acordo com a presidente da Comissão de Direito de Família e Adoção da OAB Amazonas, Luiza Simonetti, que atuou no caso, esta é a primeira vez que uma criança brasileira é restituída ao país pelo sistema de acolhimento alemão, conhecido por ser implacável.
“A partir do momento que fui contactada e que aceitei fazer a defesa e a tentativa de restituir a criança ao Brasil, passei a somar com vários advogados para fazer esse requerimento, porque ninguém tinha uma experiência em caso específico e nós fomos construindo esse entendimento até chegarmos a definição de que a Convenção de Haia deveria cobrir também o sequestro internacional institucional, além do praticado por parentes, por pessoas físicas, que seria a retenção indevida ou levar a criança para fora do país sem a devida autorização”, explica Luiza Simonetti.
A criança foi deixada na Alemanha no início de 2022, sob os cuidados de uma madrinha de batismo, após a mãe retornar ao Brasil. Pouco tempo depois, ela tomou conhecimento de que a filha havia sido entregue ao órgão alemão que corresponde ao Conselho Tutelar brasileiro e colocada junto a uma família acolhedora, já em um possível processo de adoção.
Diante disso, a mãe iniciou um processo, em abril de 2022, na Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), a qual, num primeiro momento, recusou-se a agir por entender que se tratava de um problema doméstico na Alemanha. A partir desse momento, a advogada juntamente com outros colegas se mobilizaram para requerer a busca e apreensão da menina por meio da Justiça Federal do Amazonas, que determinou o imediato retorno da criança ao Brasil.
“Ante o exposto, considerando que existe uma pessoa em desenvolvimento, uma criança brasileira, retida indevidamente na República Alemã, em contrariedade às disposições da Convenção da Haia, exaustivamente mencionadas nos presentes autos, de modo que defiro em parte a liminar rogada pela parte autora e determino a imediata expedição de Carta Rogatória a fim de que a criança seja restituída”, consta na decisão.
A advogada relata que esteve por duas vezes na Alemanha para acompanhar o processo, e participar de audiências na Vara da Família do Fórum de Freiburg, cidade alemã onde ocorreu o caso e foi requerido ao juízo a determinação de restituição da criança brasileira.
SEQUESTRO INTERNACIONAL INSTITUCIONAL
Após o êxito na atuação realizada pela Comissão de Direito de Família e Adoção da OAB-AM, Luiza Simonetti defende que a situação se caracteriza como sequestro internacional institucional, com violação da Convenção da Haia.
“A criança é brasileira, filha de brasileiros e foi passar uma temporada na Alemanha quando foi retida pelo órgão tutelar alemão. Uma decisão cercada de preconceito, machismo e xenofobia, na qual a mãe foi totalmente alienada da convivência”, afirma a especialista.
A decisão da Justiça Federal que determinou a volta imediata da menina levou em consideração a Convenção da Haia, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 3.413/2000. O artigo 1º do documento diz que um dos seus objetivos é assegurar “retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente”.
Luiza Simonetti também destaca a atuação no caso do Juizado da Infância e Juventude Cível, Juizado da Infância e Juventude Infracional, Corregedoria de Justiça do Amazonas e da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Amazonas (CEJAIA).
ORIENTAÇÕES
A presidente da Comissão de Direito de Família e Adoção da OAB-AM diz que muitas crianças estão em igual situação sofrendo perseguição institucional ou retenção, e foi observado o aumento de casos, segundo dados Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
De acordo com Luiza Simonetti, o caso é importante principalmente para alertar os pais que decidem em conjunto ou unilateralmente mudarem do Brasil com seus filhos crianças ou adolescentes.
“O risco de criar uma criança sob a ótica do órgão Tutelar estrangeiro é imenso, uma vez que eles desconhecem costumes e tem um modelo único para cuidar dos filhos e, caso o responsável não se enquadre, será vigiado, perseguido e poderá perder a guarda de filho no exterior. É muito difícil trazer uma criança institucionalizada do exterior, seja qual for o país”, alerta a especialista.