Quando tinha 12 anos, Ana Clara perdeu a mãe, a juíza Patrícia Acioli, assassinada com 21 tiros na porta de casa, em Piratininga, Niterói (RJ). Dez anos depois, ela está na faculdade de Direito, diz não ter medo de sofrer o mesmo destino e reforça que o legado materno sobrevive, nela e nos dois irmãos, Mike e Maria Eduarda.
“Eu resolvi seguir essa carreira do Direito por conta da ideologia que a minha mãe tinha. Sempre teve. Desde que eu me entendo por gente, ela sempre teve muita essa visão do certo, de fazer o certo”, diz Ana Clara.
Aos 22 anos, Ana Clara está estagiando na Polícia Federal e pretende ser delegada federal. O irmão, Mike, já se formou em Direito e quer ser juiz. A irmã Maria Eduarda faz Medicina. Segundo Ana Clara, apesar de terem perdido a mãe cedo, todos carregam sua “ideologia”.
“Uma das coisas que ela sempre falava para a gente era que a gente não precisava temer, que a gente tinha muito medo, né? E ela sempre falava assim: vocês não têm que ter medo, porque eu não faço mal para ninguém. O que eu faço é só o bem. Eu quero só a justiça. Se for para prender, que prenda. Se for para soltar, que solte.”
Segundo a irmã de Patrícia, Simone Acioli, a juíza sempre foi determinada e generosa com desconhecidos, desde que era criança.
“Ela sempre ajudava todo mundo. Teve um mês que ela ficou sem dinheiro, porque ela ficou com pena. E aí comprou um monte de bicicleta para uns meninos num orfanato”, diz.
Essa postura acabou criando conflitos e causando preocupação na família. “Quando ela se tornou juíza criminal, todo mundo ficou preocupado até por esse jeito dela, né? De ser determinada, não ter medo de enfrentar. E quando ela achava que tinha que fazer o certo, ela fazia”, diz Simone Acioli, irmã de Patrícia.
Uma rixa de mais de 20 anos
Patrícia Acioli começou a carreira como defensora pública em 1988. O órgão havia sido criado por Técio Lins e Silva, então secretário de Justiça do RJ.
“Ela fez concurso e ingressou muito moça na Defensoria Pública. Era muito entusiasmada nessa questão na defesa dos desassistidos, dos pobres”, lembra ele, que se tornou advogado na família de Patrícia no julgamento dos assassinos da juíza.
O advogado lembra de um episódio em que ele foi parar na delegacia porque uma das defensoras que chefiava havia sido presa após se envolver em uma confusão no Maracanã.
Era o jogo das eliminatórias da Copa do Mundo de 1990, entre Brasil e Chile, em 3 de setembro de 1989. Naquele dia, a torcedora Rosinery Mello lançou um rojão da arquibancada no campo do estádio.
Com sua seleção perdendo por 1 a 0, o goleiro chileno Rojas fingiu que foi atingido e a partida foi encerrada. Rosinery ficou conhecida como “Fogueteira do Maracanã”.
“Aí me chamaram. Olha, tem uma defensora presa e tal e eu aí fui para delegacia atender uma defensora pública que era subordinada minha”, conta Técio.
O advogado conta que ela (Patrícia) tinha levado meninos carentes para ver o jogo e, durante a partida, os garotos jogaram bolinhas de papel e fizeram bagunça, levando outros torcedores a chamar a polícia.
“20 anos depois, a Patrícia vai ser a juíza titular do Tribunal do Júri de São Gonçalo. E vai para comandar o Batalhão de São Gonçalo, o mesmo onde está o Cláudio.”
No episódio do Maracanã, Cláudio Luiz de Oliveira acabou sendo condenado por abuso de autoridade. Depois, foi inocentado no Tribunal de Alçada, que julgava recursos na época.
Em 2014, o então tenente-coronel Cláudio foi condenado como mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli. Apesar de preso, ele continua nos quadros da Polícia Militar do Rio de Janeiro recebendo salário até hoje.
Fonte: G1
(Essa reportagem faz parte de uma série que o G1 publica a partir desta quarta, batizada de ‘Justiça sem medo’, 10 anos após o assassinato da juíza Patrícia Acioli.)