Brasileiros têm ido mais à Justiça para pedir o direito de se ‘desconectar’ do trabalho após o fim do expediente: foram 2.666 novas ações sobre o tema em 2022 no Judiciário brasileiro, quase o dobro do registrado em 2018, 1.329.
O levantamento feito pela empresa de jurimetria DataLawyer aponta para um crescimento, nos últimos anos, no volume de processos trabalhistas que citam termos como “direito à desconexão”, “desconexão do trabalho” ou “desconectar do trabalho”.
A expressão refere-se ao direito do empregado de não precisar responder a emails, mensagens e telefonemas corporativos após encerrar sua jornada de trabalho.
O tema já levou pelo menos 23.750 ações à Justiça do Trabalho desde 2014, entre processos já encerrados e em andamento, que não estão em segredo de justiça. Ao todo, o valor total das causas chega a R$ 5,65 bilhões.
O debate sobre o direito à desconexão surgiu na virada dos anos 2000, quando os celulares e meios de comunicação instantânea se popularizaram. Como os avanços tecnológicos possibilitam que as empresas mantenham o controle dos empregados fora do local de trabalho, criou-se uma preocupação com a garantia do direito ao descanso.
O ponto de virada mais recente foi a pandemia, período no qual houve uma generalização do trabalho remoto e o uso intensivo de softwares de comunicação.
O Brasil não tem uma lei específica para o assunto, mas a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) cita “meios telemáticos e informatizados” ao tratar de trabalho remoto.
Para Jorge Luiz Souto Maior, professor de direito do trabalho da Faculdade de Direito da USP e desembargador no TRT-15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), não é necessário criar uma legislação específica para o assunto no Brasil, bastaria recuperar o que está dito na Constituição.
Souto Maior afirma que a reforma trabalhista de 2017 estabeleceu que o teletrabalho não teria limitação de jornada, então o empregador se viu no direito de exigir uma quantidade de trabalho que só poderia ser cumprida se o funcionário extrapolar seu expediente.
“O direito do trabalho limita a jornada de trabalho para que existam as horas livres, porque o trabalhador não é só força de trabalho. Com o teletrabalho, ficou uma névoa. Os empregadores se aproveitaram disso para aplicar uma carga excessiva, muito sob o argumento de que não precisam fazer o transporte até o trabalho”, disse.
No Brasil, quando houver um desrespeito frequente à jornada de trabalho, que impeça o direito ao descanso, o profissional pode acionar a Justiça do Trabalho pedindo o reconhecimento de horas extras trabalhadas e até indenização —o que vale para toda a hierarquia de cargos, incluindo os de chefia e de confiança.
“Direito à desconexão é garantir, às pessoas que vendem sua força de trabalho, a não sobrecarga, para que elas tenham o direito de executar tarefas fora do horário de expediente sem que sejam interrompidas”, afirma Alessandra Benedito, professora da FGV Direito SP.
Com informações da Folha de São Paulo