Quando eventuais ofensas ocorrem no parlamento, a imunidade é absoluta e sua repreensão se dá unicamente pela própria Casa. Porém, se os fatos ocorrem para além dos muros do Legislativo, a imunidade só se aplica se houver conexão com o exercício do mandato.
Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou sentença de primeiro grau e condenou o deputado estadual Douglas Garcia (PTB) a indenizar uma mulher incluída em um “dossiê antifascista”, divulgado nas redes sociais pelo parlamentar.
O dossiê contém informações e dados pessoais de mais de mil pessoas classificadas como “antifas”. Diversas pessoas incluídas no documento ajuizaram ações contra o deputado. Ele já foi condenado em segundo grau em pelo menos três oportunidades. No caso dos autos, a autora também incluiu na ação o deputado estadual Gil Diniz, conhecido como “Carteiro Reaça”, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Conforme a autora, os dois parlamentares também teriam compartilhado o dossiê nas redes sociais. No entanto, com relação a eles, a ação foi julgada extinta, por ilegitimidade passiva, na forma do artigo 485, VI, do CPC. O TJ-SP, portanto, condenou apenas Douglas Garcia. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 10 mil.
De acordo com o relator do acórdão, desembargador Cláudio Godoy, “a despeito da evidente irregularidade”, Garcia amplificou a divulgação do dossiê. “Mais, instou seus seguidores a que lhe remetessem novos dados de igual teor, para que atualizasse o dossiê. Por fim, associou as pessoas cujos nomes e dados dele constavam à prática de ilícitos, mesmo penais, sem que nada no dossiê o indicasse”, disse.
Godoy citou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) que disciplina o tratamento de dados pessoais, de qualquer espécie (artigo 3º), com o objetivo maior de “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (artigo 1º), além da preocupação com os chamados dados sensíveis, incluindo a opinião política das pessoas (artigo 5º).
“O que fez o réu foi, no mínimo, dar vazão a um dossiê que, por seu conteúdo, não revela mais que opções e opiniões políticas das pessoas ali listadas, goste-se ou não delas, e destas preferências; nada todavia do que possa servir a tisnar conquista civilizatória básica que é o devido respeito à diferença e às convicções alheias, constitucionalmente asseguradas (artigo 5º, IV e VIII, da CF), posto que diversas das próprias”, explicou.
Conforme o relator, Garcia disseminou e fomentou a produção de um dossiê “visivelmente ilícito”, o que, por si só, é causa de responsabilização civil: “Mesmo considerado o direito que a qualquer cidadão se assegura, de levar fatos de seu conhecimento, em tese penais, ao conhecimento da autoridade, impende que tal se dê de maneira responsável, com base em fatos ou indícios concretos, portanto sem que o seja de modo descuidado, injustificado”.
Para Godoy, o deputado não apenas concorreu à “indevida afronta a direito fundamental da autora”, contribuindo à violação de seus dados pessoais, como também feriu seu direito à honra, na medida em que associou os integrantes do dossiê à prática de atos criminosos, que não foram investigados ou provados.
A conduta de Garcia, na visão do desembargador, também não está amparada pela imunidade parlamentar, pois o caso ocorreu fora da Assembleia Legislativa e não está relacionado ao exercício do mandato. “Rigorosamente nada se conecta ao exercício do mandato de deputado se dar à coleta e tratamento de dados da preferência política de opositores do governo, ademais de associá-los, indistintamente, sem qualquer indicativo concreto e específico, à prática de ilícitos”, afirmou.
Divergência
O caso foi decido em julgamento estendido, uma vez que o relator sorteado, desembargador Rui Cascaldi, votou para absolver o parlamentar. Para o magistrado, Garcia teria apenas ajudado as autoridades ao fornecer os nomes de supostos integrantes do movimento antifascista, para que se investigasse eventuais atos de vandalismo.
“O dossiê foi retirado, à evidência, das postagens pessoais feitas nas redes sociais, onde a autora, e os demais integrantes do grupo a que pertence, Antifas, se auto denominam de antifascistas, agindo como tal. E alardeiam essas suas ‘convicções’ políticas de forma aberta, sem nenhum segredo, orgulhando-se do que são e do que fazem”, disse.
Com informações da Conjur