English EN Portuguese PT Spanish ES

Coaf precisa continuar fora da alçada do Ministério da Justiça, dizem advogados

jurinews.com.br

Compartilhe

Após os muitos abusos cometidos pela finada “lava jato”, a equipe de transição de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva discute a possibilidade de alterações no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e nos acordos de cooperação internacional em matéria penal. Na opinião de advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, é necessário que o órgão fique fora do Ministério da Justiça e que haja mais transparência nos procedimentos das colaborações com outros países.

A equipe de transição de Lula está discutindo o destino do Coaf. O órgão costumava ficar alocado no Ministério da Fazenda, mas no início do governo de Jair Bolsonaro foi transferido para o Ministério da Justiça, então sob o comando de Sergio Moro. Porém, o Congresso barrou essa iniciativa, e o Coaf ficou na estrutura do Ministério da Economia. Posteriormente, foi colocado sob o controle do Banco Central. Agora, a equipe de Lula debate se o Coaf deve continuar no BC ou ser transferido para o Ministério da Fazenda ou o da Justiça.

Integrante da equipe de transição, o advogado Marco Aurélio Carvalho afirmou ao jornal O Globo que o Coaf deveria voltar ao Ministério da Justiça, uma vez que a pasta também abriga a Polícia Federal e todos os órgãos de inteligência para combater lavagem de dinheiro e crime organizado.

Posteriormente, porém, Carvalho disse à ConJur que está repensando a questão após ter conversado com os colegas Juliano Breda e Fernando Augusto Fernandes. Ele ponderou que o fato de o Coaf ficar perto de outros órgãos de investigação, como a PF, pode ser um problema, especialmente em governos “não republicanos”.

Breda disse ao Globo que, seguindo um padrão internacional, a tendência é que o Coaf tenha uma atuação independente dos órgãos de investigação, de forma a evitar sua cooptação. Por isso, o advogado pensa que a localização da instituição no Ministério da Fazenda não é um problema.

Outros advogados ouvidos pela ConJur também consideram que o melhor arranjo institucional é deixar o Coaf fora do Ministério da Justiça.

Fernando Fernandes afirma que os mecanismos de controle e repressão precisam andar em conjunto com as contenções e garantias. Por isso ele foi contra o projeto de Moro de levar o Coaf para o Ministério da Justiça.

“Pensando a longo prazo, é necessário impedir que o Coaf seja usado como instrumento político, o que poderia ocorrer em futuros governos. Por isso, a decisão não pode se ater à conjuntura atual”, afirmou o criminalista, defendendo a edição de uma lei que estabeleça mecanismos de controle para o órgão.

Nessa linha, o professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró avalia que o Coaf deve ficar separado da PF, de forma a garantir a privacidade dos cidadãos. Assim, opina ele, o órgão deve ficar fora do Ministério da Justiça.

Por sua vez, a criminalista Dora Cavalcanti diz que o ideal é que o Coaf permaneça vinculado ao Banco Central. Isso considerando as características do conselho, que promove, com autonomia técnica e operacional, trabalho de inteligência, e não de investigação, como assentou o Supremo Tribunal Federal (RE 1.055.941).

“É sob o prisma da independência que deve ser analisada a questão de onde alocar o Coaf. Isso porque o órgão concentra informações financeiras indiscutivelmente sensíveis que, muitas vezes, quando há suspeita da prática de ilícitos, na forma de relatório de inteligência financeira, podem dar origem a investigações criminais. O Coaf não deve ser travestido de órgão de investigação ou mesmo utilizado pelos órgãos de investigação para acessar informações protegidas por sigilo sem autorização judicial. O compartilhamento de informações pelo órgão precisa ser realizado com transparência e rastreabilidade, permitindo às partes afetadas verificar e entender como se deram as comunicações entre as autoridades para obtenção de informações reservadas”, opinou a advogada.

Diogo Malan, professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também defende que o Coaf permaneça no BC.

“Isso principalmente porque se trata da autarquia pública federal responsável pela regulação, fiscalização e controle das entidades que integram o Sistema Financeiro Nacional, tendo quadros técnicos com expertise e experiência na identificação, no processamento e na análise de movimentações financeiras atípicas. Além disso, com o advento da Lei Complementar 179/2021, o Banco Central possui considerável grau de autonomia a independência, sendo menos suscetível a sofrer ingerências por parte dos poderes econômico e político.”

Cooperação internacional

Diante das ilegalidades dos acordos de cooperação internacional assinados com outros países para o combate à lavagem e à corrupção durante a “lava jato”, a equipe de Lula também defende alterações para que essas cooperações possam ser fortalecidas sem que sejam geradas nulidades processuais.

Defensor de Lula na “lava jato” e integrante da equipe de transição, Cristiano Zanin Martins afirmou ao Globo que as regras para cooperação internacional em matéria penal não foram respeitadas na autoproclamada força-tarefa, o que gerou, em alguns casos, anulações de investigações e processos. Para evitar que isso se repita, ele defende uma avaliação de como aprimorar esses mecanismos.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defende que o Ministério Público Federal atue diretamente nos casos de cooperação jurídica internacional em matéria penal. Denominada de autoridade central, essa função é exercida atualmente pelo Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), para a maior parte dos tratados dos quais o Brasil é parte.

Os advogados ouvidos pela ConJur defendem aprimoramentos na cooperação internacional, mas são críticos à proposta da PGR.

Dora Cavalcanti afirma ser preciso dar mais transparência à cooperação jurídica internacional em matéria penal, tornando efetivo o contraditório ao longo de todo o processo. “Do ponto de vista do direito de defesa, é fundamental que as partes tenham amplo acesso às informações compartilhadas e aos pedidos e respostas apresentados pelas autoridades dos países envolvidos na cooperação”.

A criminalista destaca que “é muito difícil, para não dizer impossível” obter informações diretamente do DRCI. Na prática, a parte afetada tem de ir ao Judiciário para ter acesso ao procedimento criminal que originou ou recebeu o pedido de cooperação, o que acaba demorando bastante.

A advogada propõe duas soluções para resolver a questão. A primeira é vincular o processo de cooperação ao procedimento principal ao qual ele se relaciona, possibilitando acesso aos autos via sistema do tribunal em que tramita o feito principal. “Com o processo eletrônico, tornou-se totalmente viável o acesso remoto e seguro a procedimentos sigilosos”, lembrou ela. A segunda proposta, um pouco mais trabalhosa, é instituir um sistema de acesso informatizado no âmbito do DRCI, de modo a manter a segurança das informações sigilosas e possibilitar o acesso às partes devidamente habilitadas.

Fernando Fernandes, por sua vez, diz que a cooperação internacional deve ser comandada pelo Poder Executivo, de forma a conter abusos do Ministério Público.

“Um sistema democrático só sobrevive com pesos e contrapesos, quando há poder e limite ao poder. Sabemos que o Ministério Público exerce função fundamental, mas também o quanto extrapola os limites. Isso ocorreu na ‘lava jato’ com a criação do que Gilmar Mendes chamou de ‘estamento com métodos da Stasi ou da Gestapo’. A ‘vaza jato’ trouxe a informação de métodos ilegais conduzidos sob a liderança de Deltan Dallagnol, como trazer um pen drive com provas fora das regras legais. O tema tem relação com a soberania brasileira. Nenhuma autoridade pode trocar dados com países estrangeiros sem o envolvimento do Executivo.”

Atribuir o papel de autoridade central à PGR seria “um grande equívoco” e uma medida inconstitucional, pois quebraria a paridade de armas no processo penal, segundo Gustavo Badaró. Afinal, o MP é parte em ações criminais e não pode decidir se fornece ou não o acesso a provas a seu adversário em caso de cooperação com outro país. O professor defende a edição de uma lei geral para disciplinar as práticas de colaboração internacional.

Já Diogo Malan entende que a cooperação jurídica internacional em matéria penal deveria ser regulamentada no futuro Código de Processo Penal, para que houvesse maior grau de organicidade e coerência sistemática no trato legislativo dessa matéria. Em sua visão, o futuro marco legislativo deve levar em consideração o fato de que o interessado nos processos de cooperação não é mero objeto do poder punitivo estatal, mas, sim, verdadeiro sujeito processual titular de garantias.

“Assim, deve ser dispensada pelo legislador especial atenção ao princípio da especialidade (que impede o uso dos elementos probatórios obtidos para quaisquer finalidades diversas daquela declarada no pedido de cooperação) e também ao regime jurídico de inadmissibilidade das provas obtidas no exterior que violem a ordem pública brasileira (artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), conceito que abarca todas as garantias processuais penais previstas na Constituição e/ou no Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, ressaltou Malan.

Com informações da Conjur

Deixe um comentário

TV JURINEWS

Apoio

Newsletters JuriNews

As principais notícias e o melhor do nosso conteúdo, direto no seu email.