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Arquidiocese não responde por abuso cometido por padre sem batina, diz STJ

jurinews.com.br

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Uma arquidiocese da Igreja Católica não deve indenizar a vítima de abuso sexual cometido por um de seus padres se o ilícito não aconteceu em razão do ofício religioso. O agressor não utilizava batina, o crime foi cometido em local particular e a vítima não frequentava a Igreja Católica.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial ajuizado pela Arquidiocese de Cerqueira Cesar (SP), para afastar sua responsabilização civil pelo crime cometido por um de seus clérigos, em março de 2000.

Na ocasião, o padre levou a vítima a seu sítio particular, onde praticou atos libidinosos. O episódio causou abalos de ordem psíquica e sofrimento para a família. O agressor foi condenado na esfera criminal. Na cível, foi também condenado a indenizar a vítima em R$ 207,5 mil.

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou a arquidiocese a arcar solidariamente com a quantia, por entender que a vítima só teria entrado no veículo do agressor após ter sido informado por seus amigos que se tratava de um padre, o que possibilitou o crime.

Por maioria de votos, a 3ª Turma do STJ reformou a decisão, com base no voto divergente do ministro Moura Ribeiro. Ao analisar a moldura fática, ele decidiu que não há como responsabilizar a arquidiocese, já que o menor que foi abusado não sabia previamente que o abusador era clérigo.

A vítima não era e nunca foi fiel ou seguidor da Igreja Católica, jamais frequentou a paróquia e não conhecia o padre até o momento em que ingressou no carro dele para ir ao seu sítio particular, quando foi informado por seus colegas.

O agressor não estava de batina quando abordou a vítima, e o crime foi praticado fora das dependências da paróquia. Para o ministro Moura Ribeiro, isso revela que “o ilícito reprovável não foi exercido em decorrência da sua qualidade sacerdote ou função sacerdotal”.

“A batina, como é sabido, é uma roupa própria dos clérigos e representa o seu compromisso de entrega a Jesus Cristo, e quando o padre a usa, mostra a todos da sua comunidade que é uma pessoa revestida de dons diferenciados, porque está a serviço de Deus. No caso, a ausência do uso da batina quando da abordagem é um indicativo de que ele não estava a serviço da Igreja naquele momento. O simbolismo do seu uso, até, poderia impactar e até poderia ensejar uma certa confiança e sensação de segurança na vítima, o que não ocorreu”, concluiu.

O voto ainda destaca que a Igreja se mantém basicamente por doações dos seus fiéis, que chegam pelos dízimos e pelas celebrações de casamentos e batizados, “de modo que não pode ela ser responsabilizada por todo e qualquer ato ilícito praticado por seus párocos”.

Acompanharam o voto divergente do ministro Moura Ribeiro os ministros Marco Aurélio Bellizze, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi.

Preposição eclesiástica

Ficou vencido o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem a arquidiocese deve responder pelos atos praticados por seus clérigos, pois há entre eles uma relação de preposição.

Para ele, apesar do distanciamento da vítima e sua família da Igreja Católica, é impossível negar que o trabalho como eclesiástico representou elemento central para que o ilícito ocorresse, justamente pela confiança social atribuída ao papel de sacerdote.

O voto lembra que uma das características dos crimes relacionados à violência sexual contra pessoas vulneráveis é o desenvolvimento de relação de confiança ou barganha para que o ato seja realizado.

“Não se mostra desarrazoada a conclusão do tribunal local quanto à relevância dada ao fato de o recorrido ter dito que apenas entrou no carro por saber que o condutor era padre”, disse o ministro Cueva, que mantinha a condenação solidária da arquidiocese.

Aura de padre

Para o ministro Moura Ribeiro, essa aura de confiabilidade transmitida pelo padre católico não pode ser um critério para ensejar a responsabilidade civil objetiva da arquidiocese, pois ela não existe para os praticantes de outras religiões.

“Para que a função sacerdotal dos representantes da Igreja Católica possa ensejar ou propiciar uma presunção de confiança e de honestidade na comunidade, deve haver, no mínimo, uma relação anterior do fiel com a Igreja Católica, com a sua doutrina, com o trabalho desenvolvido pela paróquia e, principalmente, uma relação anterior de confiança com a figura do padre”, disse.

Assim, para os seguidores da Igreja Católica, realmente há uma justa expectativa de moralidade e de santidade nos sacerdotes. Para os demais, não necessariamente.

No voto, o ministro Moura Ribeiro declara sua conhecida condição de católico praticante e devoto. Mas afirma que, como agente do estado, não pode se deixar influenciar “pois existem outras tantas religiões no país, que diferentemente da minha, não presumem e nem sequer reconhecem a autoridade moral e honestidade dos padres católicos”.

Com informações da Conjur

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