Acolhendo pedido do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) manteve nesta quarta-feira (27), por maioria de votos, a decisão liminar que impediu a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar de fazer intervenções nos morros do Pão de Açúcar, da Urca e da Babilônia, na zona sul carioca, para a instalação de uma tirolesa. As obras, que haviam sido suspensas pela 20ª Vara Federal no Rio de Janeiro, incluem perfurar rochas, fazer demolições e construir novos elementos, como edifício em terreno vazio, levando os réus a recorrerem.
Na ação civil pública ajuizada pelo MPF, além de pedir o embargo da obra, o órgão busca suspender os atos administrativos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que autorizaram a execução do projeto. No recurso ao TRF2, o Iphan, no entanto, alega não ser o responsável por licenciar a obra e sustenta ser de competência municipal a permissão ambiental para esse tipo de construção.
O MPF apresentou contrarrazões ao recurso, pedindo que a Justiça não descarte a responsabilização do Iphan e de seus agentes, já que caberia ao órgão examinar quaisquer intervenções em patrimônio nacional tombado. Segundo a legislação, “as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, serem destruídas, demolidas ou mutiladas, nem – sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – serem reparadas, pintadas ou restauradas” (Decreto-Lei 25/1937, art. 17).
O MPF ainda lembrou que os alvarás para corte de rochas, emitidos pela Fundação Geo-Rio, em março de 2023, foram concedidos 43 dias após o aval do Iphan, datado de fevereiro. “Salta aos olhos, ante tal cenário, que o Iphan não considerou, em momento algum, antes da autorização ilicitamente concedida, solicitar manifestação da Geo-Rio ou de outro órgão com competência para avaliar eventuais riscos geológicos causados pela obra da tirolesa”, aponta o Ministério Público na ação.
Como argumentou o MPF, a Geo-Rio não fez sondagem ou ensaio no local destinado à instalação, limitando-se a avaliar apenas o projeto apresentado da tirolesa. O Ministério Público alertou ainda para o fato de que cinco servidores e engenheiros da fundação foram denunciados e condenados, em primeira e segunda instâncias, como corresponsáveis pelo desabamento da ciclovia da Avenida Niemeyer, em 2016, com duas vítimas fatais.
A procuradora regional da República Cristina Romanó, durante a sessão da 7ª Turma do TRF2, defendeu que a decisão de suspender as obras é irretocável. Ela ressaltou ainda que, entre setembro de 2022 e 12 de janeiro deste ano, a empresa responsável pela obra “promoveu clandestinamente, sem o conhecimento da Prefeitura e do Iphan, o corte de rochas que compõem os morros da Urca e do Pão de Açúcar, com o objetivo comercial de instalar uma tirolesa entre esses morros”.
Tal fato, segundo ela, contraria expressamente o artigo 17 do Decreto-Lei 25 de 1937 – que impede intervenções em locais tombados, sem prévia autorização do Iphan, sob pena de multa. Além disso, pode configurar o crime previsto no artigo 62 da Lei 9.605/98, que prevê pena de 1 a 3 anos de prisão e multa para quem destruir ou deteriorar bem protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. O fato está sendo apurado em inquérito policial e já foi realizada perícia criminal no local, conforme informou a procuradora.
ENTENDA O CASO
Entre 15 de setembro de 2022 e 17 de janeiro de 2023, a empresa operadora do bondinho cortou 127,83 m³ de rochas dos morros do Pão de Açúcar e Urca, sem autorização e conhecimento do Iphan, com o objetivo comercial de instalar uma tirolesa entre os morros. Em vez de embargar administrativamente e autuar a empresa, o Iphan autorizou a continuidade das obras, tornando-se, com isso, corresponsável pelos danos causados ao patrimônio paisagístico e geológico.
A proposta de instalação dessa tirolesa causou grande mobilização social contrária e a manifestação do comitê brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão consultivo da Unesco para a implementação da Convenção do Patrimônio Mundial. De acordo com o Icomos, a implantação do projeto pode conduzir à inclusão do sítio na lista de patrimônio mundial em perigo, ou mesmo, à posterior penalidade de exclusão da paisagem do Rio de Janeiro da lista de patrimônio mundial.
Na ação civil pública para embargar as obras, o MPF pede que a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar apresente plano do espaço degradado e proposta de plano diretor para toda a área objeto da concessão de uso. O MPF também pede que a empresa e o Iphan sejam condenados, solidariamente, a indenizar a coletividade, em no mínimo R$ 50 milhões pelos danos irreversíveis ao patrimônio geológico e paisagístico.
Processo 5010569-74.2023.4.02.0000
Com informações do MPF