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Na falta de lei, Judiciário evita que Coaf vire repositório de dados de suspeitos

Foto: Divulgação/TJ-PE
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jurinews.com.br

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As posições firmadas pelas cortes superiores brasileiras em relação ao uso de dados de inteligência financeira em investigações têm alcançado um importante objetivo: impedir que os órgãos de persecução penal tenham à disposição um repositório de informações, em desrespeito ao direito fundamental à proteção de dados.

No mês passado, a 6ª Turma do STJ decidiu que é ilícita a requisição de dados financeiros feita pela autoridade policial diretamente ao Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A conclusão seguiu a linha firmada pela 3ª Seção do STJ em 2022, no sentido de que o acesso a essas informações só é possível mediante autorização judicial prévia.

Em comum nesses processos está o fato de que a obtenção dos dados foi feita a pedido do órgão investigativo — no precedente da 3ª Seção, o pedido foi feito pelo Ministério Público à Receita Federal. Os dados constavam do Imposto de Renda dos suspeitos.

Nesse sentido, a orientação não se enquadra, mas, em vez disso, acaba por complementar o que o Supremo Tribunal Federal julgou sobre o tema. Em 2019, o Plenário decidiu que é constitucional o compartilhamento de dados entre os órgãos de inteligência e fiscalização e o Ministério Público para fins penais.

Esse contato, em regra, é feito de ofício. O Coaf recebe informações das instituições financeiras e, se notar indícios de crime, prepara relatórios e os compartilha com a Receita. Esta, por sua vez, abre procedimento administrativo fiscal e, se identificar indícios de sonegação, fraude ou conluio, aplica multa e encaminha os autos ao MP.

O órgão de inteligência também pode avisar diretamente o MP ou a autoridade policial se a possibilidade for de crime de lavagem de dinheiro, conforme prevê o artigo 15 da Lei 9.613/1998 . Para todas as demais situações — principalmente as de requisição desses dados —, não há qualquer previsão legal.

Na opinião dos advogados consultados pela ConJur, o compartilhamento não pode ser feito fora das hipóteses expressamente autorizadas por lei. Isso porque a proteção dos dados, elevada a direito fundamental pela Constituição, submete-se ao princípio da legalidade estrita.

Permitir o preparo de relatórios por requisição, segundo eles, abriria a brecha para o uso de dados protegidos, ainda que não sigilosos, sem qualquer prestação de contas. É o que tem acontecido na prática, por causa da incapacidade brasileira de, até agora, estabelecer uma relação precisa entre serviços de inteligência e órgãos de persecução penal.

“É preciso ter muito cuidado com essa interação, exatamente para garantir que o Coaf não sirva como um repositório infinito de informações que fique à disposição das autoridades incumbidas da investigação criminal”, avisa o advogado e professor do Instituto de Direito Público (IDP) Ademar Borges.

Apesar de a jurisprudência brasileira indicar os limites para o compartilhamento de dados sensíveis, o tema acaba por representar um impasse. Todas as decisões citadas foram tomadas por maioria de votos e há ministros que defendem uma interpretação mais benevolente com a busca por provas.

Há, no Brasil, variadas formas de intervenção ou restrição de direitos fundamentais admitidas na investigação criminal e que são tratadas pela lei de maneira pouco específica ou aprofundada. Um exemplo é o fato de, da interceptação telefônica ao uso do geo-fencing, tudo ser tratado como quebra de dados telemáticos.

Nesse cenário, a ausência completa de previsão de requisição de dados sigilosos a órgãos como a Receita Federal e o Coaf dificulta até mesmo a análise de um pedido judicial pelo juiz. Não há parâmetros para decidir, e nem mesmo os votos divergentes no STJ se prestaram a tanto. Resta uma análise pelo juízo de proporcionalidade e o uso da analogia.

Com informações da Conjur

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