“O dia de hoje nos obriga a lembrar a opressão e a violência simbólica e física contra as mulheres. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde sempre diz não ao machismo, ao sexismo e a misoginia de nossa sociedade. Nunca é demais reafirmar que toda mulher deve ser livre para escolher seus desígnios, desenvolvendo e realizando sua personalidade plenamente”. No discurso de abertura da 7ª reunião do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, reafirmou seu compromisso com a concretização de políticas públicas voltadas a defesa intransigente dos direitos humanos.
O Observatório é um órgão consultivo do CNJ que tem como objetivo adotar iniciativas no âmbito do Judiciário que promovam os direitos humanos e direitos fundamentais, com o apoio da sociedade civil e da Justiça. A reunião ocorreu na terça-feira 8, dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, e foi palco de manifestação contra as falas vazadas do deputado estadual Arthur do Val (SP) sobre as mulheres ucranianas.
A modelo e ativista Luiza Brunet foi a primeira a fazer duras críticas aos comentários “misóginos, insensíveis e desumanos, proferidos por uma figura pública brasileira sobre as mulheres que vivem uma situação de vulnerabilidade e de terror. [Elas são fáceis porque são pobres] é uma frase indigna e que nos envergonha. Todas as mulheres do mundo devem e merecem ser respeitadas”.
Instituído em 1975 pelas Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Internacional da Mulher contribui para dar visibilidade à luta das mulheres por igualdade de condições e acesso aos direitos humanos. A data também é palco em todo o mundo de reivindicações pelo fim do machismo e da violência de gênero. A biofarmacêutica Maria da Penha, que lutou para fazer a Justiça brasileira condenar seu ex-marido, que a deixou paraplégica em sucessivas tentativas de feminicídio, e inspirou o nome da Lei 11.340/2006 participou da reunião.
Maria da Penha ressaltou os avanços importantes e profundos que as lutas das mulheres alcançaram “globalmente falando”, mas ponderou haver um abismo “quando se trata da qualidade do status humano que a mulher possui, principalmente no que se refere à desigualdade econômica no mercado de trabalho e a negação dos princípios fundamentais por parte do estado democrático de direito, sobretudo em relação à violência principalmente em mulheres vulneráveis”.
Ela deixou um desafio para cada mulher e cada homem brasileiro: “quebrar os legados que negam, desqualificam e vulnerabilizam os processos de empoderamento feminino. É preciso romper com o ciclo da violência, da desigualdade de gênero, e do constrangimento na vida e na alma pelas limitações e entraves no acesso à Justiça e toda a sociedade deve estar envolvida nessa atuação”.
Ouvidoria
O presidente Luiz Fux lembrou que na terça-feira 8, houve a instalação da Ouvidoria Nacional da Mulher, instância para onde será possível encaminhar questões relativas a casos de violência contra as mulheres. A medida amplia os canais de acesso da população aos serviços prestados pela Justiça.
“A realidade mostra que temos ainda muito a fazer. Aqui [no Observatório] nos chegam inúmeros casos de violência contra as mulheres. Recentemente, nos deparamos com um caso de escravidão. Temos uma sociedade que viveu o regime da escravidão por 400 anos e naturalizou a violência contra mulheres negras, assim também com a prostituição de crianças. Temos o dever de mudar drasticamente essa cultura de exclusão. Temos o dever de ser feministas”, afirmou Fux, citando a escritora nigeriana Chimamanda Adichie.
O presidente do Instituto Avon, Daniel Silveira, atualizou o trabalho que vem sendo feito, em parceria com o CNJ, de pesquisa sobre aplicação da Lei Maria da Penha, que completa 16 anos em 2022. O trabalho, inicialmente, analisa como tem se dado a aplicação da lei – mais especificamente as medidas protetivas de urgência -, para depois ser construído diagnóstico técnico sobre a eficácia dessas medidas, com a publicação de análises qualitativas e quantitativas desses anos de vigência da Lei Maria da Penha, considerada uma das principais legislações do mundo na temática do enfrentamento à violência doméstica.
Segundo Silveira, foram analisados mais de 2 milhões de processos que tramitaram entre 2015 a 2021. E os resultados preliminares revelaram a necessidade de aprimoramento no preenchimento dos dados e processos. “Não sabemos quem são as mulheres, como tramitam, quanto tempo leva para uma medida ser aplicada, quais os argumentos utilizados para se conceder ou não uma medida, entre outras questões. A falta de dados prejudica sabermos como está sendo aplicada a Lei Maria da Penha”, explicou. A próxima etapa do trabalho é transformar essas reflexões em ações, para que o preenchimento de dados seja específico e completo.
A reunião contou com a participação dos demais membros do Observatório, que apresentaram atualização de seus trabalhos. Foi o caso da desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Teresa Cristina Gaulia sobre o Programa Justiça Itinerante, que há 18 anos atende os invisíveis sociais, os excluídos, como moradores de rua, presidiários, quilombolas e indígenas. “O juiz precisa sair do gabinete e fazer interface com a sociedade civil. A gente trabalha para fazer Justiça.”
Com informações do CNJ