O feminicídio da juíza Viviane Vieira do Amaral, cometido às vésperas do Natal de 2020 pelo ex-marido, inspirou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a criar um prêmio nacional que impulsionasse ações de combate à violência contra a mulher na sociedade brasileira. Naquele mesmo ano, oito meses antes, a promotora de Justiça Gabriela Manssur colocava em prática o Projeto Justiceiras, criado para ajudar mulheres em situação de risco a encontrar o melhor acesso ao Sistema de Justiça e à rede de proteção.
Iniciativa vencedora na categoria “Organizações Não Governamentais” do Prêmio CNJ Juíza Viviane Vieira do Amaral, Justiceiras vem servindo como um guardião da vida de milhares de mulheres brasileiras ameaçadas por ex e atuais companheiros, evitando que a tragédia do feminicídio – que ocorreu com uma magistrada e com outras milhares de mulheres no país – siga se repetindo em outros lares.
Para Gabriela Manssur, ter sido escolhida como uma prática vitoriosa no Prêmio foi especialmente emocionante e relevante. “Venho de uma família de pessoas ligadas à Justiça, minha irmã é juíza e esse prêmio não deixa que os atores de Justiça se esqueçam de que eles também podem ser vítimas desse tipo de crime. O feminicídio de Viviane foi um crime bárbaro que abalou todas nós e serviu para abrir nossos olhos em relação a importância de termos canais internos de comunicação, canais de denúncias. A violência de gênero está em todas as classes, em todas as esferas, e a mulher nessa situação precisa de orientação, de encaminhamento, e de apoio.”
Os dados do projeto revelam que a ideia da promotora – que já trabalhava com o combate à violência contra a mulher por meio do Instituto Justiça de Saia – deu certo: desde o dia 31 de março de 2020 até 31 de dezembro de 2021, o Projeto Justiceiras prestou mais de 8 mil atendimentos; sendo dois mil casos de alta gravidade. Em 3.670 denúncias, era a primeira vez que a mulher buscava ajuda.
A faixa etária mais frequente de mulheres que pediram ajuda ao projeto está entre 31 e 40 anos. Metade delas não brancas (pretas, pardas ou indígenas) e boa parte (7 em cada 10 mulheres) com renda de até um salário mínimo. A maioria das mulheres (6.082) sofreram violência em casa e 2.855 moravam com o agressor.
O projeto conta com quase 8 mil mulheres voluntárias, que podem ser acionadas dependendo de cada caso. A rede de atendimento varia, basicamente, entre cinco áreas de atuação: jurídica, psicológica, assistencial, médica e acolhimento. Todo atendimento é realizado por voluntárias inscritas no projeto que desejam ajudar outras mulheres.
Ajuda
Os atendimentos, além de evitarem possíveis feminicídios, vem servindo para aproximar a população feminina da Justiça. O projeto serve como um canal de denúncias e também como um sistema de atuação em rede multidisciplinar, sem que seja necessário sequer a mulher sair de casa. O pedido de socorro pode ser feito por meio do site Justiceiras (ao acessar o portal, entre na aba Procure Ajuda), via WhatsApp (+55 11 996-391-212), pelo e-mail gestao@justiceiras.org.br ou pela conta do projeto no Instagram.
A partir da análise da situação de violência descrita no formulário, a equipe de encaminhamento forma o grupo de atendimento do caso e indica a voluntária de cada área que fará o primeiro contato com a vítima via WhatsApp ou ligação telefônica. O formulário pode ser preenchido pela própria mulher ou por alguém que queira ajudar. Também é possível fazer uma denúncia anônima, todos os dias da semana, 24 horas por dia.
Autonomia
O projeto ainda tem uma página no YouTube, com 30 vídeos focados em conteúdos que contribuam para que as mulheres vítimas de violência possam entender a situação em que vivem e saibam como buscar ajuda. O projeto Justiceiras também conta com outros parceiros, entre eles o Instituto Nelson Wilians, que atua por meio do empoderamento social da mulher como forma de contribuir com a violência possibilitando a superação de desigualdades, e o Instituto Bem Querer Mulher, que também foca em iniciativas empresariais e sociais, que contribuam para o combate à violência contra a mulher fortalecendo a autonomia financeira feminina.
Segundo a promotora, após o ingresso do caso no projeto nenhuma das vítimas se manteve no ciclo da violência e todos foram comunicados às autoridades competentes, inclusive os de grande repercussão nacional, cometidos por agressores com influência em suas áreas de atuação. Em casos graves, as vítimas são encaminhadas para as voluntárias médicas, para as intervenções pertinentes.
As mulheres que se interessarem em trabalhar como voluntárias do projeto também podem se inscrever no site do Justiceiras. A ação também permite que mulheres que desejam compartilhar experiências pessoais, profissionais, exemplos de superação e resiliência possam atuar nessa área. “É uma força tarefa de mulheres, por e para mulheres em busca de acolhimento, respeito, paz, segurança e Justiça”, completa Gabriela.
“O projeto permite um atendimento mais próximo e amigável para essas mulheres e meninas que estão vivenciando uma vida de violência psicológica, patrimonial ou mesmo física”, diz a idealizadora da iniciativa. Ela explica que, por meio da rede de mulheres voluntárias é possível, por exemplo, tirar dúvidas em relação ao boletim de ocorrência, em relação a pedidos de medidas protetivas de urgência, ou mesmo se quiserem informação sobre o estágio processual de uma eventual denúncia.
Para a promotora, a sociedade brasileira precisa se engajar nesse enfrentamento. Ela citou a necessidade de se aumentar a sensibilização e capacitação dos atores que atuam no enfrentamento à violência e também dos profissionais da rede de atendimento “para que essas mulheres não sofram traumas seguidos de traumas ao pedirem ajuda”. Ela também ressaltou a responsabilidade da iniciativa privada contribuir nessa luta. “Criar canais de denúncias dentro das empresas seria uma forma de começar. Uma grande porcentagem de nossas trabalhadoras está passando por dificuldades dentro e fora de casa. Elas precisam de ajuda, de apoio e oportunidades.”
Com informações do CNJ