As mulheres vítimas de violência precisam encontrar mais acolhimento quando buscam o Poder Judiciário em busca de ajuda. Na abertura da Jornada Lei Maria da Penha, o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Marcio Freitas defendeu uma mudança de postura para a magistratura, no sentido de tratar a violência doméstica com a especificidade que o fenômeno demanda.
Essa foi a 16ª edição da Jornada, que o CNJ realiza anualmente, sempre em agosto, mês da sanção da Lei 11.340/06, que ganhou o nome de uma das sobreviventes da violência doméstica, a farmacêutica Maria da Penha, atualmente a mais conhecida militante da causa no país.
Freitas, que é supervisor da Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres pelo Poder Judiciário, justificou a mudança de olhar de juízes e juízas devido à vulnerabilidade das mulheres que recorrem à Justiça para se proteger de novas agressões. “Fujamos do perfil desenhado para a magistratura, para que possamos ter um olhar mais acolhedor. Precisamos de um Judiciário efetivamente preocupado em prevenir agressões a mulheres e minorar o trauma delas, considerando o fato de que o contato dessa mulher com a Justiça não é fácil. Lidar com o Sistema de Justiça não é muito agradável para qualquer um, muito menos para quem sofreu violência dentro do próprio lar.”
O conselheiro lembrou a importância do Judiciário no enfrentamento, uma vez que esse tipo de agressão gera quatro vezes mais demanda às varas especializadas em violência doméstica em relação a varas criminais. “Enfrentar a violência doméstica contra mulheres é o compromisso de todos que têm o ônus de ocupar cargo público e a responsabilidade pela elaboração de políticas judiciárias. Todos nós aqui somos, em maior ou menor grau, responsáveis por um país melhor.”
Integrante do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, Luiza Brunet ressaltou a importância do acolhimento. “É muito importante que o Poder Judiciário acolha as mulheres, dê uma luz no fim do túnel para mulheres agredidas e represente um conforto enorme para a sociedade e para as mulheres que são vítimas”, afirmou. A modelo, atriz e empresária já sofreu violência dentro de casa e atualmente empresta sua notoriedade à causa, inclusive por meio da campanha Sinal Vermelho, promovida pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) com o apoio do CNJ.
A presidente da AMB, juíza Renata Gil, afirmou que a campanha Sinal Vermelho, ao lado das mudanças legislativas introduzidas na Lei Maria da Penha e das iniciativas do Executivo de atendimento e acompanhamento às vítimas de violência doméstica, contribuiu para a melhora das estatísticas relativas a agressões. A magistrada citou dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que registrou aumento do número de medidas protetivas (12%), de denúncias (17%), além de ligeira queda da quantidade de feminicídios (1,7%).
“Nosso desafio é educacional, pois é preciso educar as mulheres no sentido de saber que elas têm esse direito. As violências já estão na Lei Maria da Penha. Daí a importância de uma campanha como a Sinal vermelho. Muitas mulheres talvez não tivessem a coragem de denunciar seus agressores por medo de serem seguidas por eles até a delegacia. Com a campanha, mulheres já fizeram a denúncia dentro de uma agência da Caixa e de uma farmácia”, afirmou Renata Gil.
O representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Otavio Luiz Rodrigues Júnior lembrou o ciclo de debates temáticos do CNMP que problematizam esse tipo de violência. “A iniciativa tem a função transversal de disseminar o conhecimento jurídico sobre o enfrentamento à violência doméstica contra a mulher, mas também a de disseminar a necessidade de uma organização estratégica do sistema de justiça para fazer frente a essa modalidade de violência. Tanto o CNJ quanto o CNMP levam a sociedade uma preocupação do sistema de justiça, de todos seus integrantes com uma realidade muitas vezes falsificada, mascara, de uma realidade que muitas vezes não refletem de maneira adequada o que acontece na nossa sociedade.”
A advogada Rejane Silva Sánchez, que falou em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lembrou a contribuição das campanhas promovidas pela instituição, tanto para a defesa das mulheres dentro quanto fora do Sistema de Justiça.
“Acreditamos que toda iniciativa pode inspirar programas em todo o país, do setor público e da iniciativa privada, visto que as empresas passam a se ocupara da causa com efetividade. Ao criar medidas eficientes contra a violência doméstica, a OAB contribui para que políticas públicas se instalem. Ao incluir a Jornada Maria da Penha parte do seu calendário permanente, o CNJ assevera que a violência doméstica contra mulher é problema de todos e todas.”
Estatísticas
O Conselho tem um painel estatístico que traz um mapa da estrutura do Poder Judiciário contra a violência doméstica e números da litigiosidade relativa a agressões contra a mulheres. A ferramenta revela que, em 2021, a Justiça concedeu quase 439 mil medidas protetivas para afastar agressores de mulheres.
Em resposta à quantidade de feminicídios e tentativas de feminicídio, a Justiça levou a júri popular os acusados de 1.901 crimes no ano passado. O número de assassinatos de mulheres motivados pela condição da mulher foi o mais alto desde que o CNJ passou a contabilizar esse tipo de agravante. Em 2021, 6.293 estavam em instrução, fase do processo em que testemunhas e acusados são ouvidos e provas são produzidas.
Com informações do CNJ