Após cinco anos de trabalho exaustivo e sem carteira assinada, a esposa do pastor que atuava como missionária em uma igreja evangélica teve o vínculo de emprego reconhecido pela Justiça do Trabalho. A 8ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) não apenas confirmou a relação empregatícia, mas também condenou a instituição religiosa ao pagamento de verbas trabalhistas e uma indenização de R$ 15 mil por danos morais.
JORNADA EXTENSA
Durante o período de serviço à igreja, a trabalhadora desempenhava uma vasta gama de funções, incluindo atividades administrativas, operacionais e de apoio à liderança religiosa. Sua jornada era intensa: começava às 7h e se estendia até as 21h30, de domingo a sexta-feira, com folga somente aos sábados. Entre suas atribuições estavam o cuidado com a relação com os fiéis, a organização contábil da congregação, a contabilização de doações, a participação obrigatória em reuniões de pastores, mulheres e do ministério infantil, além de ser responsável pelas refeições diárias de bispos e pastores.
Em depoimento judicial, a ex-missionária relatou que seu salário era depositado diretamente na conta do marido, que também era pastor da mesma igreja. Ela afirmou que, desde o casamento, passou a trabalhar para a instituição por imposição, alegando que todas as esposas de pastores eram obrigadas a prestar serviços à congregação. A mulher ainda declarou que, caso não cumprisse suas tarefas, o marido poderia sofrer punições, como rebaixamento ou transferência de cargo.
A situação da missionária se agravou quando, mesmo grávida e em condição de risco, foi transferida para uma cidade a 1.358 quilômetros de sua residência, sem estrutura médica adequada. O filho nasceu prematuramente e enfrentou intercorrências de saúde, o que motivou, além do pedido de vínculo empregatício, a solicitação de indenização por danos morais.
Inicialmente, a 3ª Vara do Trabalho de Campinas, em primeira instância, havia julgado os pedidos improcedentes, entendendo que o trabalho da mulher era de natureza religiosa e voluntária, sem configurar vínculo de emprego. A trabalhadora, inconformada, recorreu da decisão.
PERSPECTIVA DE GÊNERO
Ao analisar o recurso, a 8ª Câmara do TRT-15 considerou que todos os elementos legais da relação de emprego — pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade — estavam presentes, reconhecendo assim o vínculo empregatício.
A relatora do caso, desembargadora Adriene Sidnei de Moura David, destacou que até mesmo a testemunha da própria igreja, apesar de tentar caracterizar o trabalho como voluntário, confirmou a obrigatoriedade da atuação das esposas de pastores, a existência de remuneração fixa e a exigência de presença da autora em cultos diários e em diversos horários.
Segundo a magistrada, ficou evidente que a trabalhadora “exercia, de fato, uma função dentro da organização da Igreja com atividades determinadas, amplas, diversificadas, com habitualidade, remuneração e subordinação“. Essa constatação afastou a ideia de que a mulher estivesse apenas respondendo a um chamado vocacional ou auxiliando o marido por fé.
A decisão também aplicou os parâmetros do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução 492/23 do CNJ), ressaltando a necessidade de visibilizar e valorizar a atuação da mulher, que não pode ser tratada como mera extensão do trabalho do cônjuge. O colegiado ainda reconheceu o nexo causal entre a transferência forçada durante a gestação e os danos sofridos, responsabilizando a igreja pelos prejuízos.
Para a relatora, o caso “evidencia como o trabalho de cuidado, frequentemente associado às mulheres, tende a ser precarizado e invisibilizado, o que torna ainda mais importante o reconhecimento da contribuição efetiva da autora na organização da igreja“.
Com base nesses fundamentos, o tribunal reformou a sentença de primeiro grau e condenou a igreja ao pagamento de verbas rescisórias, multa do artigo 477 da CLT, horas extras com reflexos, indenização estabilitária e R$ 15 mil por danos morais.