A 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) julgou procedente uma ação rescisória e reconheceu o direito de uma trabalhadora rural ao recebimento do benefício de salário-maternidade. O colegiado entendeu, por unanimidade, que houve erro de fato no julgamento anterior ao desconsiderar a certidão de nascimento da filha, na qual a autora é qualificada como “lavradora” – documento considerado idôneo para comprovar o exercício da atividade rural.
Com a decisão, foi rescindido parcialmente o acórdão proferido pela 7ª Turma da Corte, e o INSS foi condenado ao pagamento do benefício, com efeitos retroativos à data do nascimento da filha da trabalhadora.
BUSCA PELO SALÁRIO-MATERNIDADE
A autora ajuizou uma ação previdenciária visando à concessão de salário-maternidade, alegando que exercia atividade rural como boia-fria à época do nascimento de sua filha, em dezembro de 2015. Juntou à ação a certidão de nascimento da filha, na qual constavam sua qualificação e a do companheiro como “lavradores”, além de certidão eleitoral do companheiro, que indicava a profissão de “agricultor”. Testemunhas ouvidas em juízo confirmaram o labor rural da autora.
O juízo de primeira instância acolheu o pedido, reconhecendo a qualidade de segurada especial com base no conjunto probatório. Entretanto, a 7ª Turma do TRF-3 reformou a decisão e julgou improcedente a ação, por entender que não havia início de prova material suficiente, especialmente em nome próprio da requerente, e que os vínculos urbanos do companheiro descaracterizavam o regime rural. Diante disso, foi proposta ação rescisória com fundamento nos incisos V, VII e VIII do artigo 966 do CPC, sustentando violação manifesta à norma jurídica, existência de prova nova e erro de fato.
JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO
Para a relatora, desembargadora federal Gabriela Araújo, a decisão anterior incorreu em erro de fato ao afirmar que não havia prova material da atividade rural da autora. Isso porque constava dos autos a certidão de nascimento da filha, emitida em 2015, que qualificava expressamente a mãe como “lavradora”.
“O acórdão incorreu em erro de fato, pois desconsiderou documento idôneo constante dos autos e não impugnado, apto a comprovar a qualidade de trabalhadora rural ‘boia-fria’“, afirmou a desembargadora. Segundo ela, o documento era contemporâneo ao parto, estava em nome da própria autora e não foi impugnado, preenchendo, portanto, o requisito legal de início de prova material.
Além disso, a magistrada destacou que o acórdão anterior aplicou indevidamente uma lógica jurídica própria do regime de economia familiar, embora a autora tenha pleiteado o benefício com base em sua condição individual, sem extensão da atividade rural ao companheiro. Assim, os vínculos urbanos deste último eram irrelevantes, mas foram considerados como impeditivos, o que, segundo a relatora, caracteriza erro de fato.
“A decisão baseou-se em premissa fática equivocada ao aplicar, indevidamente, uma lógica compatível com os casos de reconhecimento de labor rural em regime de economia familiar, quando, na hipótese dos autos, a autora buscava a concessão do benefício exclusivamente com base em sua própria condição“, pontuou a relatora.
A desembargadora fundamentou ainda que a desconsideração da prova apresentada pode ter decorrido de estereótipos de gênero, que tendem a atribuir maior relevância à atividade rural masculina, desvalorizando o trabalho da mulher no campo. Ela aplicou expressamente as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do CNJ, para sustentar que a análise da prova deve ser sensível às desigualdades históricas enfrentadas por mulheres trabalhadoras rurais.
Por fim, observou a vulnerabilidade da trabalhadora. “O início precoce da vida laboral e a gestação em idade jovem evidenciam um cenário de fragilidade socioeconômica que exige sensibilidade na valoração da prova e aplicação efetiva dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção social“, afirmou.
Com base nesses fundamentos, a 3ª Seção do TRF-3 fixou o pagamento do salário-maternidade pelo período legal de 120 dias, com valores retroativos à data do nascimento da criança, em 19 de dezembro de 2015. A decisão foi unânime.