A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, manter um inventariante dativo no espólio de João Pereira dos Santos, fundador do Grupo João Santos, um dos maiores conglomerados do setor cimenteiro do Brasil. A Corte entendeu que, diante do conflito entre os herdeiros, a exceção à regra de nomeação prevista no artigo 617 do Código de Processo Civil (CPC) era juridicamente justificada.
Prevaleceu o voto-vista divergente da ministra Nancy Andrighi, que foi acompanhada pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Humberto Martins.
DISPUTA PELA HERANÇA
João Santos faleceu em 2009, e desde então, seu filho Fernando ocupava o cargo de inventariante. Em 2021, seis dos oito herdeiros ajuizaram um incidente de remoção, alegando omissão na prestação de contas e má gestão do espólio. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) acolheu o pedido e nomeou liminarmente um inventariante dativo, o advogado José Augusto Pinto Quitude.
Fernando recorreu ao STJ, argumentando que a decisão do tribunal estadual violou o artigo 617 do CPC, que estabelece a ordem legal de nomeação, e que houve extrapolação do pedido (julgamento extra petita).
REVIRAVOLTA NO JULGAMENTO
No julgamento iniciado no último dia 4, o relator considerou que o TJ-PE excedeu os limites do pedido ao nomear diretamente um inventariante dativo, sem observar a ordem legal de preferência. Para o relator, o pedido original era pela substituição por uma herdeira, e a nomeação do dativo se deu por aditamento posterior, sem o devido contraditório. Apesar disso, ele reconheceu a validade dos atos já praticados pelo dativo, com base no princípio da segurança jurídica, dada a complexidade e a repercussão econômica do espólio, tendo sido acompanhado pela ministra Daniela Teixeira.
No entanto, a ministra Nancy Andrighi, em seu voto-vista, acompanhou o relator em questões processuais, como a aplicação das Súmulas 211 do STJ e 283 do STF, além do afastamento da alegação de negativa de prestação jurisdicional. Mas ela divergiu quanto ao mérito.
A ministra destacou que o ponto central era verificar se houve julgamento extra petita no momento da nomeação do dativo. Analisando as petições, ela constatou que o pedido inicial na ação de remoção requeria a substituição do inventariante por uma das herdeiras. Ao recorrer, os agravantes solicitaram, no agravo de instrumento, o afastamento de Fernando. Posteriormente, em petição avulsa, requereram a nomeação da herdeira ou, subsidiariamente, de inventariante dativo. Portanto, para a ministra, não houve julgamento extra petita.
A ministra Nancy Andrighi reforçou que o TJ-PE, soberano na análise fática, havia reconhecido má gestão dos bens do espólio. “Alterar essas conclusões do TJ-PE demandaria revolvimento de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ“, destacou.
Quanto à substituição, a ministra relembrou o artigo 617 do CPC, que elenca a ordem legal para nomeação de inventariantes. Contudo, com base em jurisprudência consolidada da Corte, ela reafirmou que é possível excepcionar essa ordem quando houver fundadas razões, como intensa animosidade entre herdeiros, complexidade do espólio e ausência de interesse dos herdeiros em assumir o encargo.
Diante disso, a ministra Nancy Andrighi votou por manter o acórdão do TJ-PE, sendo seguida pelos ministros Cueva e Humberto Martins.