A nutricionista Raquel Canterelli, que travava uma longa batalha judicial para reaver suas filhas, obteve vitória definitiva no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 11 de junho. Desde então, ela aguarda o retorno das duas crianças, de 5 e 7 anos, que foram levadas à força com o auxílio de agentes da Polícia Federal (PF) em junho de 2023.
O desfecho favorável à mãe encerra uma verdadeira gangorra judicial, marcada por sucessivas reviravoltas desde 2019. Naquele ano, Raquel Canterelli fugiu da Irlanda para o Brasil com as filhas que teve com um irlandês, a quem acusa de abuso físico e sexual, além de cárcere privado. A nutricionista conseguiu sair do país europeu com o apoio de autoridades consulares brasileiras, alegando ser vítima de violência psicológica e patrimonial. A filha mais velha também teria sofrido abusos.
BATALHA JUDICIAL
O pai, no entanto, moveu uma ação de busca e apreensão na Justiça brasileira, invocando a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. A ação foi iniciada ainda em 2019 pela Advocacia-Geral da União (AGU), que atendeu a um pedido de cooperação jurídica feito pelo pai irlandês.
Em 2022, um laudo pericial apontou os riscos do retorno das meninas à Irlanda, e a primeira instância da Justiça decidiu pela permanência das crianças com a mãe, no Brasil. Contudo, no ano seguinte, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reformou a decisão, determinando a devolução imediata das crianças ao pai. Foi nesse momento que as meninas foram retiradas de casa por um oficial de Justiça, acompanhado por agentes da PF.
A mãe recorreu ao STJ, inicialmente com um advogado particular, mas o recurso foi rejeitado. Diante do cenário, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) intervieram em favor da nutricionista. A Primeira Turma do STJ reconheceu a existência de provas reais de risco às crianças e reformou novamente o desfecho do caso, restabelecendo a decisão de primeiro grau e determinando a devolução das crianças à mãe.
A AGU ainda tentou recorrer por meio de embargos de declaração, mas o resultado final foi confirmado pelo STJ em junho deste ano, após o órgão informar que desistiria do último recurso.
RETORNO
O cumprimento da decisão que prevê o retorno das crianças ao Brasil, no entanto, depende agora das autoridades irlandesas. Segundo a DPU, os defensores Daniela Jacques Brauner e Holden Macedo, que atuaram no caso, reuniram-se em junho com representantes do Ministério da Justiça para tratar sobre a execução da sentença.
“O objetivo é que tudo seja feito da maneira mais harmônica possível, conciliando os interesses da mãe e da União, que terá que se valer dos instrumentos diplomáticos adequados”, informou a DPU, em nota oficial.
“MÃES DE HAIA”
O caso de Raquel Canterelli trouxe à tona a discussão sobre as chamadas “Mães de Haia” – mulheres que, fugindo de situações de violência doméstica e outros abusos, levam os filhos para outros países e acabam enquadradas como sequestradoras internacionais de crianças sob a Convenção de Haia.
Em maio de 2024, a DPU levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciando a República Federativa do Brasil por violação dos direitos humanos devido à forma como as crianças foram retiradas da mãe, com escolta armada e mesmo diante de provas que atestavam o risco do convívio com o pai.
Entre os pedidos, a DPU solicitou que a comissão recomende ao Brasil a compensação às vítimas por danos materiais e emocionais. O tema também foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).