A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.255), que o crime de falsa identidade, previsto no artigo 307 do Código Penal, é de natureza formal. Isso significa que o delito se consuma no momento em que o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade. Para a caracterização da conduta, a obtenção de vantagem ou a ocorrência de prejuízo a terceiros são irrelevantes.
O ministro Joel Ilan Paciornik, relator do repetitivo, explicou que o crime de falsa identidade visa tutelar a fé pública na individuação pessoal. Ou seja, protege a confiança nas relações públicas ou privadas quanto à identidade, essência, estado civil ou outra qualidade juridicamente relevante da pessoa.
Segundo o magistrado, esse tipo penal exige uma conduta comissiva somada à vontade consciente de atribuir a falsa identidade a si mesmo ou a outra pessoa. Além disso, é necessário que o delito esteja associado à finalidade de obter algum tipo de vantagem ou causar dano a alguém, embora a efetiva obtenção do fim pretendido seja irrelevante para a consumação do crime, devido à sua natureza formal.
RETRATAÇÃO E AUTODEFESA NÃO AFASTAM CRIME
O ministro esclareceu que a eventual retratação do agente não afasta a tipicidade da conduta, nem justifica a aplicação do instituto do arrependimento eficaz, pois o crime de falsa identidade já se encontra consumado.
“A consumação delitiva ocorre assim que o agente inculca a si ou a outrem a falsa identidade, sendo irrelevantes a causação de prejuízo ou a obtenção de efetiva vantagem pelo agente. É indiferente, para a consumação típica, o fato de o destinatário da declaração falsa verificar, em sequência, a real identidade do indivíduo, ou mesmo ter o próprio agente se identificado corretamente em momento posterior“, destacou Paciornik.
Outro ponto abordado por Paciornik foi a hipótese de atribuição da falsa identidade perante autoridade policial com base no princípio constitucional da autodefesa. Nesse caso, ele mencionou a Súmula 522 do STJ, além de precedentes da corte (Tema 646) e do Supremo Tribunal Federal (Tema 478) que rejeitam essa possibilidade.
O recurso representativo da controvérsia (REsp 2.083.968), interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais, diz respeito a um homem acusado de fornecer nome falso a policiais durante uma abordagem. Contudo, antes do registro do boletim de ocorrência e do interrogatório na delegacia, ele revelou sua verdadeira identidade.
Em primeira instância, o réu foi condenado pelo crime de falsa identidade, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu absolvê-lo, por entender que a conduta não teve nenhuma repercussão administrativa ou penal.
“A retratação posterior do agente quanto à sua identidade, ainda que antes do registro do boletim de ocorrência, não tem o condão de tornar atípica a sua conduta, nem mesmo sob o pálio do instituto do arrependimento eficaz. Isso porque o delito já se encontra consumado com a simples atribuição de falsa identidade pelo agente, independentemente da verificação de ulteriores consequências“, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial.