A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela continuidade das obras da tirolesa que ligará os morros do Pão de Açúcar e da Urca, no Rio de Janeiro. O julgamento, encerrado nesta terça-feira (10), resultou no não conhecimento do recurso do Ministério Público Federal (MPF), que buscava a suspensão do projeto.
HISTÓRICO E ARGUMENTOS
A disputa judicial teve início com uma ação civil pública movida pelo MPF contra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a empresa Cia Caminho Aéreo Pão de Açúcar. Em primeira instância, a liminar que pedia a suspensão das obras foi acolhida. No entanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) reformou a decisão, argumentando que, com 95% da obra concluída, a paralisação causaria mais prejuízos do que a finalização.
O MPF recorreu ao STJ, alegando, entre outros pontos, que a decisão privilegiou interesses privados em detrimento do interesse público, e que a obra alteraria gravemente a estrutura dos morros, causando dano irreversível ao meio ambiente. Diante disso, o TRF-2 concedeu efeito suspensivo para manter a suspensão das obras até a análise definitiva pelo STJ.
Em sessão anterior, em 18 de março, as defesas da empresa e do Iphan sustentaram que a obra foi submetida à análise do instituto em três ocasiões e aprovada em todas elas, com a conclusão de que não haveria impacto significativo na estrutura dos morros. Argumentaram que não houve mutilação do patrimônio tombado e que as intervenções foram mínimas e necessárias para garantir a acessibilidade. Também enfatizaram que os cabos instalados possuem espessura reduzida, sendo visualmente menos intrusivos do que os do bondinho, o que minimizaria qualquer alteração na paisagem. As defesas ressaltaram ainda que a manutenção da suspensão das obras causaria prejuízos, comprometendo o turismo e a utilização do espaço.
“PERICULUM IN MORA REVERSO”
Em seu voto, o relator, ministro Francisco Falcão, destacou que, com 95% das obras já executadas, a manutenção da suspensão traria mais prejuízos do que a conclusão, configurando o chamado “periculum in mora reverso“. Segundo o ministro, a paralisação das obras impactaria negativamente a paisagem, pois o local permaneceria coberto por tapumes e lonas, prejudicando o turismo. Ele argumentou que a parcela restante do projeto é mínima e que, caso seja constatada alguma ilegalidade ao final do processo, seria possível determinar a reversão das alterações já realizadas.
“Com a execução de 95% das obras previstas, o periculum in mora reverso é mais danoso, prejudicando a paisagem local, o que, sem dúvida, é mais lesivo ao turismo do que a própria conclusão da parcela ínfima restante do projeto em execução“, afirmou.
Além disso, o ministro ressaltou a ausência de respaldo jurídico para a pretensão do MPF, observando que a Portaria 420/10 do Iphan, apontada como fundamento para a nulidade da autorização da obra, não se enquadra no conceito de lei federal. Dessa forma, conforme previsto no art. 105, III, da Constituição Federal, não poderia ser utilizada como base para a interposição de recurso. Falcão concluiu que não caberia ao STJ reformar a decisão do TRF-2 que suspendeu a liminar, não conhecendo o recurso.
Voto divergente e decisão final
O julgamento, que havia sido suspenso por um pedido de vista da ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi retomado nesta terça-feira. A ministra votou pela suspensão das obras de instalação da tirolesa. Divergindo do relator, ela entendeu que a continuidade da intervenção poderia comprometer o resultado útil da ação civil pública, considerando o risco de danos irreversíveis ao meio ambiente.
Para a ministra, o argumento de que a paralisação traria impactos negativos à paisagem revela uma compreensão limitada do direito ambiental. Maria Thereza apontou que os prejuízos decorrentes da conclusão da obra e do início das atividades recreativas ultrapassam a simples obstrução visual e podem comprometer a estrutura dos morros, além de alterar seus aspectos principais.
Segundo ela, embora as obras estejam suspensas, o local continua a funcionar como ponto turístico, possibilitando a visita ao monumento mesmo com restrições de visibilidade em algumas áreas. A ministra foi categórica: “Se for concedida a possibilidade de execução da obra, aí sim não haverá mais necessidade de falar em ação civil pública“. Com esse entendimento, ela votou pelo provimento do recurso especial para restabelecer a decisão que suspendeu as obras.
No entanto, o relator, ministro Francisco Falcão, rebateu os argumentos da ministra, reafirmando sua posição favorável à continuidade da intervenção e destacando o alinhamento com o entendimento do Iphan. “Eu julgo o processo pelo que está nos autos (…) Pelo que eu estou vendo nos autos, essa obra já está praticamente concluída. Nós temos tapumes que estão ‘enfeiando’ aquela vista que hoje é tida no mundo inteiro como um marco importante do Rio de Janeiro. Aqui, o próprio Iphan concorda (…) Como eu posso ficar contra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional?“, questionou.
Ele concluiu: “Sou um defensor intransigente do meio ambiente e das obras históricas. Pedindo vênia à ministra Maria Thereza, reafirmo todos os termos do meu voto, com a segurança de que estou julgando pelo que está nos autos, e é assim que se deve julgar“. Os ministros Marco Aurélio Bellizze e Teodoro Silva Santos acompanharam o relator.
Bellizze, embora reconhecendo o receio da ministra Maria Thereza, destacou sua confiança nos dirigentes públicos e no próprio Iphan, acreditando que “os pequenos ajustes que fizerem sobre aquele monumento não trarão desconforto visual”.
Teodoro Silva Santos apontou que os documentos nos autos demonstram a regularidade da obra, sem comprovação de danos ambientais irreversíveis ou de violação ao patrimônio histórico. O ministro Afrânio Vilela também acompanhou a maioria, destacando as certidões de aprovação da obra emitidas pelo tribunal de origem e demais órgãos competentes, e afirmando: “Não vejo o meio ambiente atacado com a construção“.
Com a maioria formada, o colegiado não conheceu do recurso do MPF, mantendo a decisão do TRF-2 pela continuidade das obras.