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STF suspende julgamento de Política Antimanicomial do CNJ

Reprodução: STF

jurinews.com.br

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O julgamento da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023, foi interrompido nesta segunda-feira (21 de julho) no Supremo Tribunal Federal (STF), após um pedido de vista do ministro Flávio Dino. A sessão virtual havia começado no final de junho, com término previsto para 5 de agosto.

Antes da suspensão, dois ministros já haviam se manifestado a favor da Resolução CNJ 487/2023, que determinou o fechamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, mas acrescentaram alguns esclarecimentos importantes.

POLÍTICA ANTIMANICOMIAL

A Corte está analisando quatro ações que questionam a Resolução 487/2023 do CNJ, movidas pela Associação Brasileira de Psiquiatria, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pelos partidos Podemos e União Brasil.

A resolução instituiu a Política Antimanicomial, que proíbe a internação em instituições “de caráter asilar”, como os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (antigamente conhecidos como manicômios judiciários). O CNJ ainda determinou o fechamento desses estabelecimentos e a transferência dos pacientes para atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) ou outras unidades similares do Sistema Único de Saúde (SUS).

A norma é voltada para as chamadas medidas de segurança, como as internações cumpridas nos hospitais de custódia por pessoas inimputáveis ou semi-imputáveis – aquelas que não são inteiramente capazes de entender que cometeram algo ilícito.

Os autores das ações alegam que o CNJ extrapolou suas atribuições, pois alterou a aplicação da legislação penal, algo que, segundo eles, só poderia ser feito por meio de lei federal. As duas associações e os dois partidos apresentaram uma nota de entidades médicas, segundo a qual a Política Antimanicomial possibilitaria a soltura de pessoas sem condições de conviver em sociedade. Por fim, argumentaram que o número de CAPs, unidades especializadas em saúde mental, mas sem característica asilar, é insuficiente para atender a demanda atual de pacientes, e que a resolução de 2023 agravaria a situação.

Já o CNJ apontou que a norma regulamenta regras já previstas pela Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, e pela Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, com o objetivo de proteger o direito à saúde de pessoas com transtornos mentais ou deficiência psicossocial no processo penal.

VOTO DO RELATOR

O ministro Luiz Edson Fachin, relator do caso, validou a Política Antimanicomial, com alguns esclarecimentos. Ele foi acompanhado por Luís Roberto Barroso. Fachin ressaltou que a Lei da Reforma Psiquiátrica, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Convenção Internacional dos Direitos das PcD se aplicam ao tema. Também explicou que “instituições com características asilares” — nas quais foi proibida a internação — são aquelas sem condições de garantir a assistência integral à saúde e os devidos direitos às pessoas com transtorno mental.

Ainda de acordo com o relator, os entes federados podem comprovar ao CNJ, por meio de procedimento específico, que determinado estabelecimento não se enquadra como “asilar”. Nesse caso, as determinações não se aplicam.

A tese do ministro também prevê que a internação por aplicação de medida de segurança e a desinternação dependem de decisão judicial, amparada por laudo médico e avaliação biopsicossocial, com participação de equipes multidisciplinares e multiprofissionais. A administração pública deve definir o estabelecimento que vai alocar o leito.

Ao fundamentar seu voto, o magistrado ressaltou que os pacientes têm direito a um tratamento com objetivo de reinserção social, e que a internação compulsória é indicada apenas quando os recursos extra-hospitalares forem insuficientes. Para Fachin, a resolução se limitou a “transcrever e regulamentar dispositivos legais”, tanto do Código Penal quanto da Lei da Reforma Psiquiátrica. Ele não viu “exorbitância dos limites do poder regulamentar” do CNJ.

A Política Antimanicomial prioriza o tratamento ambulatorial (fora do hospital, sob supervisão), que é outra medida de segurança. Segundo o relator, isso é uma consequência da “excepcionalidade da internação”, prevista em lei. Na sua visão, a norma não proíbe a conversão de tratamento ambulatorial em internação, mas apenas recomenda “que a conversão não seja mecanicamente associada a eventual prescrição de outros recursos terapêuticos a serem adotados”. Além disso, a própria resolução permite a internação “em hipóteses absolutamente excepcionais e compreendidas como recurso terapêutico adequado”.

O ministro reconheceu que a norma abre espaço para uma interpretação segundo a qual a desinternação dependeria de uma decisão exclusiva da “equipe de saúde multidisciplinar”. Ele esclareceu que a competência para decidir sobre isso no caso das medidas de segurança é do Judiciário. Mas lembrou que a internação também exige “laudo médico circunstanciado” e que apenas o médico pode indicar a internação ou a alta ao paciente.

Há um arcabouço normativo de natureza legal, constitucional e convencional na matéria sendo ignorado e descumprido, no Brasil, há décadas”, destacou o magistrado. Com base em relatórios, censos e literatura especializada, Fachin apontou que os manicômios judiciários se tornaram “espaços de massiva violação de direitos fundamentais, com problemas crônicos e estruturais que impedem seu funcionamento como hospitais, visto que falta estrutura e pessoal, inviabilizando diagnóstico e tratamento adequado à doença mental da pessoa internada em medida de segurança”.

De acordo com o relator, “a execução da medida de segurança de internação, como regra, não vem contemplando a perspectiva de alta planejada, com a preparação necessária para a desinternação, do ponto de vista clínico e biopsicossocial, como manda a lei, tornando-se medida de exclusiva clausura e contenção”. Com isso, ela passa a ser asilar, “o que consiste em grave ilegalidade”.

Os hospitais psiquiátricos em geral, ainda que não de custódia, também enfrentam situação grave. Violações a direitos fundamentais dos pacientes foram encontradas em 40 estabelecimentos do tipo inspecionados em 2018 por diferentes instituições.

Por fim, o ministro afirmou que dificuldades políticas ou econômicas não invalidam políticas públicas legítimas, pois não são “parâmetro de controle de constitucionalidade”. Para ele, o STF não deve intervir na implementação de uma política pública em andamento que busca garantir direitos fundamentais.

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