A juíza Raquel Rocha Lemos, da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia, reconheceu a nulidade do ato administrativo que remanejou uma servidora municipal para um cargo diverso daquele para o qual prestou concurso público. A decisão se baseou no fato de que a norma utilizada para a transposição foi posteriormente declarada inconstitucional.
No entendimento da magistrada, a transposição violou a regra constitucional que exige concurso público para investidura em cargo efetivo, prevista no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal (CF). A decisão determina o retorno da servidora ao cargo de origem, assistente de atividades administrativas I, com o devido reenquadramento funcional, conforme o plano de carreira vigente.
ENTENDA O CASO
A autora da ação foi aprovada em concurso público para o cargo de assistente administrativo educacional I e tomou posse em 2003. Ainda em estágio probatório, foi transposta para o cargo de funcionário administrativo educacional, com fundamento no artigo 22 da lei municipal 8.173/03. Posteriormente, em 2011, passou a ser enquadrada automaticamente como assistente administrativo educacional, segundo os critérios da lei 9.128/11, sem nova manifestação de vontade.
Durante sua trajetória na função, a servidora desempenhou atividades em secretarias diversas, como a secretaria de finanças, especialmente na área jurídica, mas permaneceu formalmente vinculada à Educação. Ela alegou que foi impedida de progredir na carreira sob o argumento de desvio de função e que, em 2025, sofreu redução salarial ao ser removida para uma unidade escolar da rede municipal, após quase 18 anos de atuação em áreas técnicas e administrativas.
Na ação, a servidora sustentou que tanto a transposição quanto o enquadramento posterior eram nulos, pois decorreram de norma declarada inconstitucional. Requereu o reconhecimento de seu direito ao cargo originário e às progressões funcionais devidas conforme a carreira para a qual foi aprovada em concurso.
O município de Goiânia contestou, afirmando que o enquadramento atual tem amparo na lei 9.128/11, norma vigente e presumidamente válida, e que o pedido estaria prescrito, já que o reenquadramento foi implementado mais de dez anos antes do ajuizamento da ação.
TRANSPOSIÇÃO INCONSTITUCIONAL
Na sentença, a juíza Raquel Rocha Lemos destacou que a transposição de 2003 teve como base o artigo 22 da lei 8.173/03, posteriormente declarado inconstitucional com efeitos ex tunc, ou seja, retroativos. Por esse motivo, considerou nulo desde a origem o ato que alterou o cargo da servidora, por afrontar diretamente o artigo 37, inciso II, da CF, que exige aprovação em concurso público para investidura em cargo efetivo.
A magistrada afastou também a validade do enquadramento de 2011, feito com base na Lei 9.128/11. Explicou que, embora essa norma não seja inconstitucional em si, sua aplicação no caso concreto não se sustenta, pois teve como base um cargo alcançado de forma inválida.
Mesmo com a adesão da servidora ao novo plano de carreira, a magistrada entendeu que o vício de origem compromete todo o enquadramento funcional. “Como consequência lógica desta nulidade, o enquadramento promovido pela Lei Municipal nº 9.128/2011, ainda que baseado em adesão voluntária do servidor, também não merece prosperar“, afirmou. Nesse sentido, acrescentou que “o fato de o servidor ter aderido voluntariamente ao plano de cargos e salários do ano de 2011 não é passível de convalidar o ato e afastar a ocorrência do vício, sobretudo pelo fato de que a inconstitucionalidade constitui vício insanável cuja irregularidade não é superada com o decorrer do tempo ou por atos de particulares“.
RECONDUNÇÃO E REENQUADRAMENTO
A juíza também afastou a alegação de prescrição total formulada pelo município, reconhecendo que se trata de relação de trato sucessivo. A prescrição foi acolhida apenas em relação às parcelas anteriores ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação.
Por fim, determinou o retorno da servidora ao cargo de assistente de atividades administrativas I, com reenquadramento funcional nos termos da lei 9.129/11. Reconheceu ainda que, se corretamente mantida na carreira originária, a servidora teria alcançado o nível VI, conforme as regras da Lei Complementar 357/22.