A Justiça de Anápolis, município a cerca de 55 km de Goiânia, acionou o Ministério Público de Goiás (MP-GO) após uma estudante do curso de medicina da UniEvangélica ser suspeita de tentar burlar o sistema público para manter uma bolsa integral do Programa GraduAção. O juiz Gabriel Lisboa, da Vara da Fazenda Pública Municipal, apontou que a aluna Gabriella Andrade Viegas de Arruda e sua família não condizem com o padrão de vida alegado no processo, que informa renda de apenas três salários mínimos.
Através de informações públicas nas redes sociais, especialmente pelo TikTok, o juiz verificou que a jovem ostenta viagens internacionais, um modo de vida fitness e é adepta das corridas, fatos que, segundo ele, não coadunam com a pobreza declarada pela aluna.
INCONSISTÊNCIAS
Gabriella é estudante do curso de medicina desde 2020.1 e é beneficiária do Programa GraduAção, da Prefeitura de Anápolis. O programa, de caráter educacional e social, tem como objetivo conceder bolsas de estudos a universitários cuja renda familiar bruta seja de até seis salários mínimos nacionais.
Já no penúltimo semestre do curso, a jovem teve a bolsa suspensa e acionou a Justiça contra a instituição e contra o município de Anápolis para a manutenção do benefício, que foi concedido em caráter liminar. Contudo, a tutela foi suspensa pelo magistrado, que alegou inconsistências nos argumentos da estudante.
A primeira descoberta foi que a própria advogada que assinou o processo, Priscilla Silva de Andrade, é a mãe da estudante. Ainda conforme o juiz, a mulher, além de advogada, é servidora pública estadual com vencimentos de R$ 8.496,10 mensais – valor que sozinho já é quase três vezes maior do que os três salários mínimos alegados como renda total da família.
O juiz ainda descobriu que a mãe da estudante tem uma empresa registrada no mesmo endereço em que a filha mora. Essa coincidência não só sugere renda extra não declarada, mas também levanta dúvidas sobre a história de que a jovem morava apenas com os avós, supostamente pobres.
O pai da estudante, Tiago Viegas de Arruda, é sócio da empresa Viegas e Oliveira – Empreendimentos Imobiliários Ltda., conhecida como Duetto Imóveis. Além disso, trabalhou em cargo de confiança no Instituto de Seguridade Social dos Servidores Municipais de Anápolis (ISSA) na gestão do ex-prefeito Roberto Naves (Republicanos).
Já o avô materno, Marcos Valin de Andrade, com quem a estudante dizia morar em situação de pobreza, é sócio-administrador da empresa MVA Prestadora de Serviços Ltda, com capital social de R$ 100 mil. A sede dessa empresa fica no mesmo endereço da estudante e da empresa de sua mãe.
INVESTIGAÇÃO DO MP
Ainda de acordo com o magistrado, foi editada a Portaria nº 020/2025, expedida pelo Município de Anápolis, por meio da Secretaria Municipal de Integração Social, Trabalho, Emprego e Renda, a qual instaurou procedimento administrativo de auditoria e fiscalização do programa de bolsas. A medida tem por objeto apurar possíveis irregularidades e fraudes estruturais no âmbito do programa, com base em elementos concretos que apontam para o uso indevido de verbas públicas, por meio de declarações falsas, omissões dolosas e manipulação de dados socioeconômicos por parte de diversos beneficiários.
Após as descobertas, o magistrado determinou o envio do processo da estudante ao Ministério Público de Goiás (MP-GO), deixando margem ao órgão para, caso queira, investigar a conduta dos citados e usar as informações trazidas na decisão para confrontá-las com a Receita Federal.
Em nota, a Prefeitura de Anápolis informou que uma comissão foi montada para avaliar os critérios do Programa GraduAção. “Em relação ao Programa Graduação, a Prefeitura de Anápolis informa que uma comissão especial foi instituída após indícios de irregularidade na concessão de bolsas universitárias. Como o município não dispunha de uma base de dados para atestar que os beneficiados atendem aos critérios, só após a conclusão dos trabalhos da comissão será possível definir o encaminhamento do programa”, diz a nota.