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Grupo secreto de juízes e advogados suspeito de vender sentenças no TJ-MS é alvo de investigação da PF

jurinews.com.br

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A Polícia Federal (PF) suspeita que juízes e advogados de Mato Grosso do Sul criaram um grupo secreto, denominado ‘Amigos’, para planejar a venda de sentenças no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-MS). As investigações revelaram que os usuários dessa comunidade restrita de bacharéis, criada em 2015, deletaram 6.986 mensagens, indicando uma possível tentativa de eliminar provas de conluio e fraudes.

O controle do grupo ‘Amigos’ teria sido exercido pelo advogado Fábio Castro Leandro, ex-procurador-geral da prefeitura de Campo Grande e filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro. O desembargador, integrante da 1ª Seção Criminal do TJ-MS, presidiu a Corte no biênio 2019/2020.

Fábio Leandro rechaçou categoricamente a linha de investigação da PF. “O grupo não foi criado por mim. As ilações feitas nessa operação são simplesmente absurdas. Trata-se de um grupo de WhatsApp com cerca de 30 pessoas, entre advogados, empresários, juízes e pessoas que sequer conheço pessoalmente. O grupo simplesmente tem finalidades aleatórias e amenas”, afirmou.

Além de Fábio Leandro, a Operação Ultima Ratio aponta que fizeram parte do grupo ‘Amigos’ o juiz Paulo Afonso de Oliveira – afastado de suas funções na 2ª Vara Cível de Campo Grande –, o ex-juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, sua mulher, a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, e o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso – aposentado, em cuja residência a PF apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo. Outros juízes e advogados também são citados na investigação.

CNJ ABRE PAD CONTRA JUIZ

No último dia 10, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu, por unanimidade, um processo administrativo disciplinar (PAD) contra o juiz Paulo Afonso de Oliveira, apontado como um dos artífices do esquema que teria se instalado na Justiça de MS e um dos principais usuários do ‘Amigos’. Contra Paulo Afonso pesam fortíssimos indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Alvo da Operação Ultima Ratio, ao lado de cinco desembargadores do TJ-MS e de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Paulo Afonso está afastado das funções desde outubro do ano passado.

A Corregedoria Nacional de Justiça indica que o magistrado ostenta um patrimônio vultoso e incompatível com seus rendimentos, incluindo uma fazenda de mil hectares no Estado, avaliada em pelo menos R$ 30 milhões, e um avião, cujo preço pode alcançar R$ 1,2 milhão. A PF rastreia ainda uma proposta de Paulo Afonso para aquisição de uma outra fazenda por R$ 18 milhões, em manifesta dissonância com o patrimônio licitamente auferido.

Paulo Afonso nega ligação com atos de corrupção. Ele alegou ao CNJ ausência de qualquer indicativo de sua efetiva adesão ao esquema supostamente delitivo.

DESCOBERTA FORTUITA

O advogado Fábio Leandro é ligado também a Rodrigo Pimentel, filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel – um dos cinco desembargadores do TJ-MS sob suspeita de envolvimento com venda de sentenças. Fábio teria feito repasses a Rodrigo após levantar valores de depósitos judiciais.

O grupo ‘Amigos’ foi descoberto casualmente pela PF em meio a uma outra operação, denominada ‘Lama Asfáltica’, iniciada em 2015 para investigar desvios, fraudes em licitações e superfaturamento em contratos de obras de pavimentação de rodovias do governo estadual à época. Na sexta fase da operação, batizada ‘Computadores de Lama’, deflagrada em novembro de 2018, agentes federais recolheram computadores de suspeitos que atuavam em serviços de informática e produção gráfica. Foi em um desses computadores que os investigadores encontraram o grupo ‘Amigos’, classificando a descoberta como “fortuita”.

A PF descobriu remessas clandestinas de valores para o exterior que teriam sido executadas por empresários que venciam licitações direcionadas, aquisições fictícias de produtos e uso de ‘laranjas’ para ocultação patrimonial. O ciclo completo de fraudes resultou em um prejuízo estimado em R$ 430 milhões ao Tesouro estadual, segundo estimativas que abrangem as seis etapas da ‘Lama Asfáltica’. No capítulo 6 da operação, a PF apreendeu um notebook do advogado Fábio Leandro.

Ao submeter o aparelho celular de Fábio Leandro à perícia, a Polícia constatou: “Os investigados costumavam criar e esvaziar grupos de mensagens sucessivamente, havendo o registro de um grupo denominado ‘Amigos’, criado por Fábio Castro Leandro”.

‘Amigos’ foi instalado em 12 de julho de 2015. Segundo a PF, o advogado era o ‘owner’, ou seja, proprietário. “Foram trocadas 6.986 mensagens, todas deletadas.” O registro de mensagens evidenciou que o advogado era convocado com frequência para os gabinetes dos magistrados Aldo Ferreira e Paulo Afonso, os quais, estranhamente, mantiveram conta conjunta entre 2003 e 2006.

Com o esvaziamento do grupo, nele permaneceram apenas três integrantes, segundo a Operação Ultima Ratio: Fábio Leandro, Aldo Ferreira e um contato registrado com o número de prefixo 66. A PF suspeita que a sucessão de saques em espécie prejudica a eventual identificação da origem e destino do dinheiro.

A PF suspeita que tais grupos de mensagens estruturados pelo advogado Fábio Leandro fossem o meio utilizado para a troca de informações, tendo havido sua nova constituição apenas para excluir o grupo anterior, que contava com a presença de Aldo Ferreira, notadamente, após o desenrolar da ação penal que alcançou sua pessoa e sua esposa Emmanuelle.

Ambos os magistrados (Paulo Afonso e Aldo Ferreira) figuraram em um grupo de mensagens denominado ‘Amigos’ a indicar efetiva proximidade entre eles. Provável proximidade entre o reclamado (Paulo Afonso) e advogado filho de desembargador (Fábio Leandro), a indicar possível atuação com desvio de função intermediada pelo causídico”, diz a PF.

ESTELIONATO JUDICIAL

A quebra do sigilo bancário de Fábio revelou que, no intervalo de três anos, entre 2016 e 2019, ele fez 1.489 saques, apenas três em valor superior a R$ 50 mil. A PF suspeita que o intenso fluxo financeiro teria ligação com propinas por venda de decisões judiciais.

Da leitura de mensagens trocadas via WhatsApp no ‘Amigos’, os federais chegaram a ligações próximas de magistrados com advogados e descobriram combinações entre os integrantes do grupo. Por essa via, a PF descobriu um caso emblemático: o desvio de R$ 5 milhões de um engenheiro aposentado do Rio de Janeiro, vítima de um “estelionato judicial” após vender uma fazenda em Mato Grosso do Sul.

Apontado como o ‘líder’ do grupo, o ex-juiz Aldo Ferreira, sob suspeita de corrupção, acabou aposentado compulsoriamente. Vasculhando as mensagens via WhatsApp, a Operação Ultima Ratio indica que o advogado Fábio Leandro concorreu de alguma maneira para um pagamento indevido no valor de R$ 5 milhões em favor da advogada Emmanuelle Alves, mulher do ex-juiz Aldo Ferreira. Esse valor estaria ligado ao ‘estelionato judicial’ aplicado contra o engenheiro aposentado do Rio.

Nos autos de reclamação disciplinar da qual é alvo no CNJ, o juiz Paulo Afonso foi questionado sobre mensagens no ‘Amigos’ que indicaram contato direto dele com o escritório de advocacia de Fábio Leandro. Ele alegou que ‘estava apenas retornando contatos do advogado, sem que houvesse qualquer relacionamento interpessoal que pudesse infirmar sua atuação como magistrado nos processos conduzidos pelo causídico’.

A PF descobriu também que Paulo Afonso mantinha conta bancária conjunta com o colega Aldo Ferreira. “Segundo elementos de convicção reunidos fortuitamente, o juiz Paulo Afonso teria proferido decisões judiciais com desvio de função, em favor da advogada (Emmanuelle) que, por sua vez, era esposa de outro magistrado (Aldo Ferreira) da mesma Corte estadual, com o qual o reclamado (Paulo Afonso) manteve conta conjunta em momento pretérito”, diz a investigação.

Ao votar pela abertura de processo administrativo disciplinar, o corregedor-geral de Justiça, ministro Mauro Campbell, foi taxativo com relação à conduta do juiz Paulo Afonso. “Tais elementos, quando somados com a constatação da existência de patrimônio manifestamente sub declarado ao Fisco, em aparente dissonância com os rendimentos licitamente auferidos consubstanciam, aos olhos desta Corregedoria Nacional, a chamada justa causa para a instauração de Processo Administrativo Disciplinar.

HISTÓRICO E CONTEXTO

A Operação Ultima Ratio constatou que o marido de Emmanuelle, o ex-juiz Aldo Ferreira, atuou como juiz auxiliar do desembargador Paschoal Carmello Leandro – pai do advogado Fábio. Na ocasião, em 2014, o desembargador exercia a magistratura no Departamento de Precatórios. “Ambos os magistrados responderam perante o CNJ por possíveis desvios de conduta durante a gestão dos precatórios no Estado de Mato Grosso do Sul”, assinalou o Ministério Público. Aldo foi aposentado compulsoriamente.

A investigação mapeou uma série de procedimentos – ação de execução de título extrajudicial, embargos à execução e agravo interno –, cujas decisões resultaram no pagamento indevido de mais de cinco milhões de reais à advogada Emmanuelle Alves.

Em 30 de julho de 2018, a prisão preventiva de Emmanuelle foi decretada pela 3ª Vara Criminal de Campo Grande, nos autos do inquérito policial 104/2018. A advogada foi presa sob acusação de estelionato e formação de associação criminosa.

Segundo a Corregedoria Nacional de Justiça foi constatado que a movimentação bancária do juiz Paulo Afonso ‘apresentava fortíssimos indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro’. “Foram identificados diversos comprovantes de depósitos em espécie supostamente realizados por Paulo Afonso em favor de terceiros, sem que tivesse havido o respectivo saque da quantia depositada, para fazer frente a tais pagamentos”, acentua a Corregedoria.

A quebra do sigilo bancário e fiscal de Paulo Afonso demonstra, ainda, saques em espécie em data próxima à prolação da decisão importante nos autos da execução extrajudicial, que totalizaram R$ 580 mil.

O ex-juiz estadual foi agraciado com mais de R$ 1,1 milhão do valor ilicitamente subtraído por sua esposa, podendo ter partido daí, o direcionamento em espécie de valores para outros beneficiários”, destaca a PF.

Todos estes elementos reforçaram a percepção desta Corregedoria Nacional de Justiça, de que Paulo Afonso de Oliveira, muito possivelmente, recebeu vantagem indevida para proferir decisões judiciais, manifestando patrimônio incompatível com seus rendimentos formais, a justificar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor”, anotou o ministro Mauro Campbell.

O JUIZ AFASTADO

Ao Conselho Nacional de Justiça, o juiz Paulo Afonso de Oliveira, afastado da titularidade da 2.ª Vara Cível de Campo Grande sob suspeita de corrupção, negou ligação com venda de sentenças, enriquecimento ilícito e sonegação fiscal.

Sobre a alegação de ‘íntimo e rotineiro’ contato com o ex-juiz Aldo Ferreira e o advogado Fábio Leandro, a defesa do juiz esclareceu que teria havido um equívoco na análise da quebra de sigilo. Em suas palavras, havia dois grupos de mensagens com o nome ‘Amigos’. O primeiro grupo, já desativado e esvaziado, com apenas três integrantes remanescentes, era composto pelo advogado Fábio Leandro, pelo ex-juiz Aldo Ferreira da Silva e por um contato desconhecido de número com prefixo 66.

Segundo a defesa, não há provas de que Paulo Afonso de Oliveira integrava aludido grupo – para o qual foram enviadas 6.986 mensagens, todas elas apagadas, segundo a Operação Ultima Ratio.

Paulo Afonso informou à Corregedoria Nacional de Justiça que integrava um segundo grupo criado por Fábio Leandro e outras 35 pessoas, também denominado ‘Amigos’, em que ‘constaram apenas 24 mensagens, nenhuma delas apagada’. O ex-juiz Aldo, segundo a defesa, não fazia parte desse núcleo. “Não há registro de troca de mensagens entre Paulo Afonso e o advogado Fábio”, afirma a defesa.

Ao abordar as menções ao nome de Paulo Afonso – durante a interceptação da Operação Ultima Ratio -, pelo escritório de Fábio Leandro, a defesa salientou. “Colhem-se apenas duas ocasiões em que o magistrado Paulo Afonso, provavelmente retornando contato do advogado, que buscava despachar algum processo, entrou em contato com o escritório do advogado.

A defesa do juiz destaca. “Diz-se ‘provavelmente’ porque o peticionário (Paulo Afonso) não se lembra de referidos contatos, porém, era uma prática corriqueira na Vara ocupada por Paulo Afonso retornar a advogados que buscassem o magistrado para despachar processos enquanto ele estava em audiência ou momentaneamente ausente do gabinete.

Ainda segundo a defesa, foram aglutinadas numa só informações diversas e, como visto, totalmente distorcidas, nada havendo nos autos que justifique a afirmação de que Paulo Afonso, Aldo Ferreira e Fábio Castro mantivessem contato entre si a partir de grupo de WhatsApp e posteriormente apagassem suas mensagens.

Paulo Afonso afirma que despachou em apenas cinco processos patrocinados pelo advogado filho do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, todos com valor da causa de pequena monta.

“RELACIONAMENTO PURAMENTE PROFISSIONAL”

Paulo Afonso pediu o arquivamento da reclamação disciplinar por ausência de justa causa, na medida em que sua atuação se pautou na análise objetiva dos autos, estando ausente, em seu entender, qualquer indicativo de sua efetiva adesão ao esquema supostamente delitivo, capitaneado pelo então magistrado Aldo Ferreira, sua esposa Emmanuelle Ferreira, e o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso.

Com relação ao advogado Fábio Castro Leandro – filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro -, com o qual Emmanuelle mantinha contato, e para o qual foram direcionados recursos subtraídos da vítima do estelionato judicial, o juiz Paulo Afonso salientou que ‘manteve relacionamento puramente profissional com o causídico’.

A defesa insiste na versão de que, com relação às mensagens de WhatsApp que indicavam o contato direto de Paulo Afonso com o escritório de advocacia de Fábio Leandro, o juiz estava apenas retornando contatos do advogado, sem que houvesse qualquer relacionamento interpessoal que pudesse infirmar sua atuação como magistrado nos processos conduzidos pelo causídico.

O advogado Fábio Castro Leandro negou enfaticamente qualquer ligação com grupo de WhatsApp para ajustar venda de sentenças ou qualquer tipo de favorecimento.

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