A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o credor não tem obrigação legal de aderir ao plano de pagamento formulado pelo devedor superendividado nem de apresentar contraproposta em audiência de conciliação. A decisão, que interpreta a Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), deu provimento a um recurso especial do Paraná Banco, afastando sanções do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aplicadas contra a instituição em litígio com um consumidor do Rio Grande do Sul.
O ministro Marco Buzzi, relator do recurso, destacou que a Lei 14.181/2021 trouxe um modelo para enfrentar o superendividamento, visando à preservação do mínimo existencial do devedor e sua reinserção no mercado de consumo. Contudo, o ministro afirmou que a legislação impõe penalidades apenas nas hipóteses de não comparecimento injustificado do credor à audiência ou de comparecimento de representante sem poderes para negociar – o que não ocorreu no caso.
CONTEXTO
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) havia mantido uma decisão que aplicou as penalidades previstas no parágrafo 2º do artigo 104-A do CDC. Segundo esse dispositivo, o não comparecimento injustificado do credor ou de seu representante com poderes para transigir gera consequências como a suspensão da exigibilidade da dívida, interrupção dos juros de mora e sujeição compulsória ao plano de pagamento proposto.
Alegando estar em situação de superendividamento, o consumidor ajuizou uma ação revisional buscando limitar em 30% os descontos de empréstimos bancários em sua conta-salário. Embora tenha sido devidamente representado na audiência, o banco não aceitou a proposta do devedor e não apresentou contraproposta. Essa conduta levou o juiz de primeiro grau a aplicar as sanções do CDC, entendimento que foi confirmado pelo TJ-RS. O banco, então, recorreu ao STJ.
LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO
O ministro Buzzi destacou a relevância social e econômica do tema, citando dados que apontam haver mais de 70 milhões de brasileiros inadimplentes, sendo 67% das dívidas contraídas com instituições financeiras. Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito Brasil (SPC), 42% da população adulta está negativada.
Conforme o relator, ainda que a audiência e o sistema de autocomposição tenham prestígio na lei, não há respaldo para aplicação, por analogia, das penalidades previstas pelo CDC na hipótese de insucesso da conciliação.
“A ausência de aceitação do plano de pagamento sugerido pelo devedor e a falta de apresentação de contraproposta não geram, como consequência, a aplicação dos efeitos do parágrafo 2º do artigo 104-A do CDC“, afirmou Buzzi. Segundo ele, embora o sistema protetivo do consumidor superendividado dê ênfase à cooperação e à solidariedade, “não há como restringir a liberdade do credor, constrangendo-o a fazer concessões contrárias à sua vontade“.
O relator também lembrou que, se não houver acordo na audiência conciliatória, o CDC prevê uma segunda etapa processual, na qual o juiz pode revisar os contratos e promover a repactuação das dívidas (artigo 104-B).