O Supremo Tribunal Federal (STF) teve nesta quarta-feira (25) mais dois votos a favor da inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Com isso, o plenário caminha para estabelecer que as plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por seus usuários. A discussão será retomada hoje (26), quinta-feira, com o voto do ministro Nunes Marques e a definição da tese de julgamento.
Além da constitucionalidade do artigo 19, o STF debate a possibilidade de responsabilização de plataformas e provedores por conteúdos gerados por usuários; a possibilidade de remoção de conteúdo criminoso a partir de notificação extrajudicial; e a possibilidade de bloqueio de aplicativos.
INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 19
O ministro Dias Toffoli, relator de uma das duas ações em julgamento, propôs um rol taxativo de conteúdos que implicariam a responsabilidade civil objetiva das plataformas caso o material não seja excluído por elas mesmas, independentemente de notificação extrajudicial ou decisão judicial.
Já na visão do ministro Luiz Fux, relator da outra ação, a partir do momento em que são notificadas sobre conteúdos ilícitos, as plataformas digitais devem excluir as publicações, independentemente de ordem judicial. Além disso, as empresas deveriam monitorar proativamente postagens claramente ilegais, como discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência ou apologia a golpe de Estado. Ambos os relatores votaram pela inconstitucionalidade do artigo 19.
Os ministros Barroso, Dino, Zanin, Gilmar, Alexandre e Cármen Lúcia manifestaram-se pela inconstitucionalidade parcial do dispositivo. Para eles, as companhias só devem excluir as publicações após ordem judicial, mas isso desde que melhorem seus sistemas de monitoramento das redes. Os oito ministros também entendem que é obrigação das plataformas impedir, por si sós, a circulação de publicações criminosas, embora haja divergências quanto aos delitos que seriam abrangidos por esse dever.
VOTOS DE ONTEM
Na sessão desta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes defendeu a responsabilização solidária das plataformas digitais por conteúdos impulsionados, divulgados por contas inautênticas ou que não forem removidos mesmo sendo ilícitos. Para ele, as redes sociais devem ser equiparadas legalmente aos meios de comunicação e submetidas a obrigações como transparência algorítmica, sede obrigatória no Brasil e mecanismos de prevenção semelhantes aos previstos na legislação da União Europeia.
A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, votou pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19, com uma interpretação que permita a responsabilização das plataformas não apenas em casos de crimes contra a honra, mas também quando houver ataques ao Estado democrático de Direito. Conforme a magistrada, a responsabilidade das plataformas decorre do descumprimento de ordem judicial, mantendo-se a exigência de decisão como regra, mas admitindo-se a responsabilização nos casos de inércia diante de determinações legais.
Por outro lado, o ministro Edson Fachin votou pela constitucionalidade dos artigos 19 e 21 do Marco Civil da Internet, sem propor qualquer tipo adicional de regulamentação.
PROPOSTAS DE MODELOS DE RESPONSABILIZAÇÃO
O ministro Luís Roberto Barroso entendeu que não pode haver responsabilidade objetiva das redes por conteúdos de terceiros, mas propôs dois modelos de responsabilização. O primeiro trata de conteúdos específicos, onde a notificação extrajudicial é a regra para crimes em geral, permitindo a responsabilização da plataforma por não remover o conteúdo após notificação. Exceção seriam os crimes contra a honra, onde a responsabilidade só ocorreria após descumprimento de ordem judicial.
O segundo modelo, o “dever de cuidado”, opõe-se à responsabilidade objetiva e obriga as plataformas a empregar esforços para prevenir e mitigar riscos sistêmicos, atuando proativamente para que seus ambientes estejam livres de conteúdos “gravemente nocivos”, como pornografia infantil, crimes graves contra crianças e adolescentes, induzimento ao suicídio, tráfico de pessoas, atos de terrorismo e abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.
O ministro Flávio Dino defendeu um modelo segmentado: remoção por notificação extrajudicial para conteúdos evidentemente ilegais, e ordem judicial para casos de crimes contra a honra. Ele também sustentou a responsabilização direta das plataformas por atos próprios, como impulsionamento pago e manutenção de perfis inautênticos, além de sugerir deveres procedimentais mínimos, educação digital e relatórios de transparência.
Cristiano Zanin e Gilmar Mendes também votaram pela responsabilidade das plataformas. Zanin reconheceu a inconstitucionalidade parcial do artigo 19, por considerar que a exigência de ordem judicial para remoção de conteúdos oferece proteção insuficiente. Ele propôs um regime diferenciado, com remoção por notificação extrajudicial para casos manifestamente ilícitos, ordem judicial para casos complexos, e adoção de deveres de cuidado.
Gilmar Mendes apontou a superação do modelo atual, classificando o artigo 19 como ultrapassado. Ele sugeriu quatro regimes distintos de responsabilidade, conforme o grau de interferência das plataformas nos conteúdos, incluindo presunção de responsabilidade em publicações patrocinadas e responsabilização direta em casos mais graves, com fiscalização da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
O ministro André Mendonça divergiu dos relatores, votando pela constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Para ele, “é inconstitucional a remoção ou suspensão de perfis de usuários, exceto quando comprovadamente falsos”. Além disso, defendeu que a exclusão de uma postagem exige procedimentos detalhados e fundamentação específica. “As plataformas digitais não podem ser responsabilizadas pela ausência de remoção de conteúdo veiculado por terceiro“, disse Mendonça.
CASOS CONCRETOS
O tribunal analisa conjuntamente dois recursos com repercussão geral:
- RE 1.037.396 (Tema 987), relatoria de Toffoli, discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige o descumprimento de ordem judicial para responsabilizar o provedor. O caso concreto envolve um perfil falso no Facebook.
- RE 1.057.258 (Tema 533), relatoria de Fux, debate a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet pelo conteúdo publicado por usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos ilícitos por notificações extrajudiciais. O caso trata de decisão que obrigou o Google a apagar uma comunidade do Orkut.