A Controladoria-Geral da União (CGU) está apurando se entidades envolvidas no esquema bilionário de descontos indevidos nas aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão utilizando documentação falsa, incluindo áudios editados, para comprovar a autorização de aposentados e pensionistas nos processos de ressarcimento. O caso, que já está sendo chamado de “fraude dentro da fraude”, levanta sérias preocupações sobre a integridade dos procedimentos de devolução.
Os documentos supostamente falsos têm sido apresentados pelas entidades nos processos de ressarcimento por meio do aplicativo Meu INSS. Além de áudios que, conforme técnicos da CGU e do INSS, nem sequer podem ser utilizados como prova, foram mapeados casos de uso de assinaturas falsas em autorizações de desconto.
A mecânica é a seguinte: o aposentado nega ter dado autorização para o desconto; em seguida, a entidade apresenta áudios para comprovar a liberação. Como tréplica, o aposentado aponta que os documentos não são válidos, e a contestação é acatada pelo INSS.
ESQUEMA DE FALSIFICAÇÃO
Em áudio analisado, o aposentado aparece falando apenas “sim”, após perguntas que parecem ter sido gravadas em outro contexto e editadas com a inclusão da resposta afirmativa.
Em outro caso, além do áudio, toda a documentação interna do Meu INSS de um aposentado que teve descontos realizados pela Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec) foi acessada. Os registros mostram que a autorização do aposentado foi formalizada pela empresa Balcão das Oportunidades Serviços Administrativos Ltda.
A Balcão das Oportunidades recebeu cerca de R$ 9 milhões da Ambec, de acordo com informações da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal (PF).
No áudio analisado, o aposentado não revela o nome completo, que depois foi utilizado no cadastro. Em seguida, ele confirma os dados e autoriza o desconto em uma gravação com claros indícios de cortes. Um documento apresentado pela entidade também registra um endereço sem qualquer relação com o aposentado.
Um ex-funcionário da Balcão de Oportunidades revelou em entrevista que a empresa era contratada para fabricar áudios fraudulentos, utilizados como prova de que os aposentados se filiaram às associações envolvidas na “farra do INSS”.
O ex-funcionário, que falou sob condição de anonimato, detalhou como se davam as ligações para captar as falas dos aposentados, que depois eram editadas e inseridas no contexto da autorização do desconto pelas entidades. A empresa, segundo ele, pagava por acesso a dados de aposentados e orientava funcionários a fazerem uma ligação inicial, na qual ofereciam vantagens ou o cancelamento de descontos sobre suas aposentadorias.
Desse áudio, editores da empresa pinçavam somente a voz do cliente confirmando seus dados pessoais e dizendo palavras como “sim”. Na sequência, montavam outra versão, com diálogos em que o atendente oferecia a filiação às associações da farra dos descontos e o aposentado aceitava.
A Balcão das Oportunidades é citada nas quebras de sigilo bancário da Polícia Federal (PF), na Operação Sem Desconto, que investiga o esquema bilionário de fraudes sobre aposentados do INSS. A empresa tem contratos milionários também com a Cebap, outra entidade que está sob investigação. As associações são ligadas ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de faturar mais de R$ 40 milhões com os descontos e de pagar propinas a diretores do INSS.
COMPROVAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO
Em nota, o INSS afirma que “a comprovação por parte das entidades exige a apresentação conjunta de três itens — documento de identidade com foto, termo de filiação e termo de autorização de desconto —, não havendo previsão para o uso de gravações de áudio como comprovante”.
“Não confirmando as informações disponibilizadas pela entidade, o processo é encaminhado para auditoria interna, e a entidade associativa é notificada para que realize a devolução dos valores. Se a associação não fizer a devolução, o beneficiário será orientado sobre as medidas judiciais cabíveis”, conclui a instituição.