O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, determinou um “pente-fino” em todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país. O objetivo é identificar e barrar a expedição de precatórios irregularmente emitidos, ou seja, antes do trânsito em julgado das decisões judiciais. A medida, que já havia suspendido R$ 3,5 bilhões em precatórios no TRF da 1ª Região, agora se estende aos TRFs da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Regiões, que terão 15 dias para apresentar o mapeamento das irregularidades.
“Diante da gravidade da situação e da iminência de pagamentos de quantias expressivas relativas a precatórios federais irregulares, determino a imediata identificação dessas expedições, com o consequente cancelamento e a adoção das medidas corretivas necessárias nos procedimentos internos de expedição de precatórios nos seis Tribunais Regionais Federais“, afirmou o corregedor em sua decisão.
Campbell Marques também instruiu que, caso seja constatada a emissão irregular de precatórios, a presidência ou as próprias corregedorias das cortes regionais federais deverão promover o cancelamento imediato do título, conforme informou o Conselho Nacional de Justiça.
A decisão do corregedor foi proferida no âmbito do Pedido de Providências 0003764-47.2025.2.00.0000, ajuizado pela Advocacia-Geral da União (AGU). A AGU apontou pagamentos supostamente irregulares que estariam ocorrendo no TRF da 1ª Região, com sede em Brasília.
No último dia 4, Campbell já havia concedido liminar suspendendo a expedição de 35 precatórios pelo TRF-1 sem a comprovação do trânsito em julgado. A partir dessa decisão, o TRF-1 realizou uma varredura interna, identificou e suspendeu outros 4.525 precatórios irregulares, totalizando mais de R$ 20,5 bilhões.
PRECATÓRIOS E INVESTIGAÇÃO
Precatórios são títulos emitidos a partir de sentença judicial para quitação de dívidas de órgãos públicos – autarquias, fundações, gestões estaduais, municipais e União. Os credores são empresas e pessoas físicas. O valor devido pelo ente público deve ser liberado apenas quando não há mais possibilidade de recurso contra o pagamento, ou seja, após o trânsito em julgado.
A Resolução n. 303/2019 do CNJ dispõe sobre a gestão dos precatórios e os respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário. De acordo com a norma, uma das exigências para a expedição de precatório é a comprovação da data do trânsito em julgado da fase executiva. Segundo a AGU, os precatórios impugnados foram expedidos antes do trânsito em julgado de contestações apresentadas pela União quanto ao cumprimento das sentenças. O levantamento da Advocacia-Geral indica que os precatórios expedidos de forma irregular somam R$ 3,5 bilhões.
O corregedor nacional Campbell Marques reforçou a regulamentação do CNJ, destacando que a exigência da Resolução n. 303/2019 parece ter sido desrespeitada com a expedição de precatórios “bloqueados” ou precatórios sem preclusão da fase de cumprimento de sentença.
Em seu despacho, ao qual o Estadão teve acesso, o corregedor sublinha que a discussão não se trata da possibilidade de expedição de precatório referente a parcela incontroversa. “O ponto controvertido é, de modo definitivo, diverso“, pondera o ministro Campbell. “Trata-se da expedição de requisições antes da emissão da certidão de trânsito em julgado relativa à totalidade da parcela exequenda, ou da certidão que reconhece parcela incontroversa, esta última correspondente à parte do débito expressamente admitida pela Fazenda Pública.“
Em outras palavras, assevera o corregedor, “em nenhuma hipótese revela-se legítima a expedição de precatórios antes da ocorrência do trânsito em julgado (valor exequendo total) ou da preclusão máxima (valor exequendo tido por incontroverso), sob pena de violação ao texto constitucional.“
DETERMINAÇÕES
O ministro Mauro Campbell Marques estabeleceu as seguintes medidas:
- Inclusão no polo passivo dos Tribunais Regionais Federais da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Regiões;
- Intimação de todos os Tribunais Regionais Federais para que adotem e apresentem, em 15 dias, as providências realizadas no âmbito de suas respectivas competências;
- Identificação dos precatórios expedidos sem certidão de trânsito em julgado (ou de preclusão máxima, na hipótese de parcela incontroversa), devendo, no caso de constatação de tal irregularidade, proceder ao cancelamento imediato.
- Uma vez constatada pela Presidência ou pela Corregedoria dos Tribunais Regionais Federais a regularidade de precatórios específicos – mediante a apresentação da certidão de trânsito em julgado da fase de cumprimento de sentença ou da certidão de preclusão relativa à decisão que reconheceu como incontroverso parte do débito exequendo em momento anterior à expedição –, não se revela necessária nova provocação desta Corregedoria Nacional de Justiça para o prosseguimento do procedimento administrativo do precatório tido por regular.
A União também havia solicitado a instauração de uma correição extraordinária em cinco varas federais do DF e a edição de um provimento que discipline o tema, evitando depósitos ou pagamentos de obrigações antes de encerrada definitivamente a discussão sobre os valores dos precatórios.