O Ministério Público do Trabalho (MPT) enfrentou mais um revés na batalha jurídica contra os aplicativos em relação ao reconhecimento do vínculo empregatício de motoristas e entregadores. Após a derrota na ação contra a Lalamove, agora foi a vez da 99 obter uma vitória na primeira fase do processo, decidida pela 72ª Vara do Trabalho de São Paulo.
Em novembro de 2021, o MPT decidiu levar a questão aos tribunais, ajuizando oito ações civis públicas contra diversos aplicativos, incluindo Uber e Rappi. Além do registro em carteira de trabalho, o MPT busca indenizações por danos morais coletivos no valor mínimo de 1% do faturamento bruto das empresas.
As decisões judiciais seguem a mesma linha de um recente posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que negou o reconhecimento do vínculo empregatício entre um motorista e o aplicativo de transporte Cabify – que encerrou suas operações no Brasil.
O ministro destacou que o STF reconhece a legalidade de outras formas de relação de trabalho, que não são regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e cassou uma decisão da Justiça do Trabalho, determinando que o processo seja encaminhado à Justiça comum (Rcl 59795).
José Ramos Pereira, representante do MPT, afirma que a preocupação do órgão é garantir a proteção integral dos trabalhadores.
A sentença favorável à 99 foi proferida no final de março pela juíza Andrea Nunes Tibilletti, mas, devido ao segredo judicial, só foi divulgada recentemente (processo nº 1001384-45.2021.5.02.0072).
De acordo com a juíza, com base no depoimento de uma única testemunha, ficou evidente que os motoristas têm controle total sobre o negócio, sendo eles próprios responsáveis por buscar o aplicativo, se cadastrar e iniciar a prestação de serviços.
“A empresa não realiza entrevistas ou processos seletivos, apenas analisa preliminarmente se o motorista preenche os requisitos estabelecidos para prestar serviços por meio da plataforma”, afirma a magistrada.
A juíza concluiu que os motoristas prestam serviços de forma autônoma, com total e irrestrita autonomia, podendo recusar viagens, decidir quando e onde desejam trabalhar e até mesmo desligar o aplicativo quando desejarem. Além disso, destacou que os motoristas também podem prestar serviços para outros aplicativos.
Para a juíza, trata-se de uma relação comercial sem exigência de exclusividade, estabelecida de forma autônoma e livremente acordada entre as partes. Na sentença, ela mencionou decisões da 4ª e 5ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que negam o reconhecimento do vínculo empregatício de motoristas de aplicativo (processos AIRR 105758820195030003 e RR 100011238920175020038).
Luiz Antonio dos Santos Junior, advogado
do escritório Veirano Advogados que assessora a 99, afirmou que a sentença reflete a realidade. Segundo ele, esses motoristas não são funcionários, mas estão envolvidos em uma nova forma de trabalho, que ele considera ser de natureza civil. No entanto, ele acredita que essa nova forma de trabalho deveria ser melhor regulamentada pelo Congresso, de modo que os motoristas tenham acesso à Previdência Social.
Rafael Alfredi de Matos, advogado do escritório Silva Matos Advogados que assessora o Uber em uma ação similar movida pelo MPT, considerou a sentença obtida pela 99 correta, uma vez que os motoristas têm total autonomia na prestação de serviços, inclusive podendo atuar em mais de uma plataforma. Ele também afirmou que, até o momento, a jurisprudência tem sido mais favorável aos aplicativos. O processo contra o Uber corre em segredo judicial.
Antes da 99, a empresa de entregas rápidas Lalamove obteve uma decisão favorável no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). Em novembro de 2022, a 15ª Turma, em um recurso do MPT, decidiu que não há vínculo empregatício entre a empresa e seus entregadores (processo nº 1001414-44.2021.5.02.0084).
O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, afirmou que o MPT vai recorrer das decisões para que a Justiça do Trabalho se posicione sobre o tema de acordo com a realidade. Ele ressaltou que a preocupação do MPT é garantir a proteção integral dos trabalhadores das plataformas e evitar que assumam sozinhos os riscos do empreendimento, citando tendências em países como Holanda, França, Inglaterra e Espanha.
Atualmente, estima-se que existam pelo menos 1,5 milhão de motoristas de aplicativos, entregadores e mototaxistas no Brasil, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A Justiça do Trabalho já recebeu 21,7 mil processos sobre o assunto, com um valor total de R$ 2,47 bilhões, segundo a empresa de jurimetria Data Lawyer Insights. Por enquanto, a maioria desses processos tem resultado desfavorável para os motoristas.
Além do Judiciário, o Congresso Nacional também está buscando uma solução para a questão. Mais de cem projetos de lei foram apresentados para criar regras sobre o trabalho por meio de aplicativos. No entanto, apenas 24 desses projetos tratam da natureza jurídica dessa relação, e a maioria é contrária aos modelos de negócios adotados pelas empresas, que consideram os trabalhadores como autônomos e remunerados por tarefa.
Uma pesquisa do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (Cepi) da FGV Direito SP mostra que 14 projetos tornam obrigatória a contratação de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, o que implica o recolhimento de contribuições previdenciárias e do FGTS pelas empresas, além de garantias como seguro-desemprego e
auxílio-doença. Outros dois projetos classificam os motoristas e entregadores como trabalhadores intermitentes, assegurando direitos semelhantes aos da CLT. Em cinco propostas, os trabalhadores de aplicativos são considerados autônomos, e em outras seis são classificados como microempreendedores individuais (MEI). Três dos 24 projetos preveem duas possibilidades de relação: MEI e autônomo.