O juiz Jorge Antônio Sales Leite, da 2ª Vara Cível de Caxias (MA), determinou a suspensão de centenas de processos relacionados a empréstimos consignados após identificar indícios de litigância predatória. A decisão aponta suspeitas de falsificação de documentos, captação indevida de clientela e abandono dos clientes por advogados após o levantamento de valores.
A prática de litigância predatória envolve a apresentação de grande volume de ações sem fundamento legítimo, sobrecarregando o Judiciário e dificultando o cumprimento da Meta Nacional 1, que estabelece o julgamento de mais processos do que os distribuídos anualmente. Segundo o magistrado, o fenômeno prejudica a eficiência do sistema de Justiça. “A prática da litigância predatória é um carcinoma que corrói todo o sistema de Justiça, violador da boa-fé objetiva”, afirmou Sales Leite.
As ações que despertaram suspeitas alegavam irregularidades em contratos de empréstimos consignados, como cobranças indevidas e inclusão indevida de consumidores em cadastros de inadimplentes. No entanto, a análise revelou indícios de fraude, incluindo o uso de procurações falsas e a falta de conhecimento dos supostos clientes sobre os processos movidos em seus nomes.
A decisão de Sales Leite baseia-se na Recomendação 159/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta magistrados a adotar medidas contra abusos processuais. O juiz determinou o sobrestamento das ações patrocinadas por três advogadas de um mesmo escritório e uma advogada de Pernambuco, além de encaminhar o caso à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao Ministério Público e à Polícia para investigação de possíveis infrações disciplinares e crimes como estelionato e falsidade documental.
O magistrado também impôs restrições à liberação de valores para evitar prejuízos aos consumidores. Em seu despacho, mencionou possível violação ao Estatuto da Advocacia, especialmente quanto à captação indevida de clientela e cobrança de honorários advocatícios excessivos.
A Promotoria foi acionada para investigar suspeitas de associação criminosa e fraudes processuais. O magistrado indicou que a análise pode alcançar escritórios de advocacia situados fora do Maranhão, dado o caráter recorrente e direcionado das ações.
Dados apresentados na decisão mostram que, em 2023, as três Varas Cíveis de Caxias registraram 14.439 novos processos, sendo mais de 80% deles classificados como “demandas predatórias”. Segundo Sales Leite, “a avalanche de ações torna impossível atender à demanda, mesmo que a capacidade de trabalho fosse triplicada”.
Entre as irregularidades identificadas, o juiz destacou casos de pessoas que desconheciam os advogados que as representavam, ações movidas em nome de falecidos, uso de endereços repetidos para diferentes autores e saques de valores sem ciência dos titulares dos processos. Também foram mencionados relatos de intermediação irregular por sindicatos na captação de clientes para escritórios de advocacia.
O magistrado ressaltou que a litigância predatória não é um problema isolado, mas uma estratégia organizada que afeta diversas jurisdições. Ele determinou a abertura de inquéritos policiais para apurar indícios de irregularidades em procurações públicas e a atuação de terceiros em nome de escritórios de advocacia.
Bancos afetados pelo volume de ações têm solicitado reuniões com magistrados para denunciar condutas indevidas e apresentar dados sobre a atuação de advogados em diversas comarcas.
Na decisão, Sales Leite enfatizou a necessidade de medidas para conter práticas abusivas no sistema de Justiça. “O Judiciário fica quase que exclusivamente voltado para essas demandas, que, no fundo, são provenientes de artimanhas e fraudes”, afirmou. O juiz também destacou o impacto da litigância predatória nos custos processuais e na eficiência do Judiciário.