A 5ª Vara Federal de Caxias do Sul condenou três indivíduos por submeterem trabalhadores a condições análogas à escravidão em propriedades rurais na região da Serra Gaúcha. O caso, ocorrido em 2021, resultou no resgate de 18 pessoas em uma fazenda localizada em Campestre da Serra. A sentença, proferida pelo juiz Júlio Cesar Souza dos Santos, ainda pode ser recorrida.
A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) após fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), vinculado ao Ministério da Economia. A operação abrangeu três propriedades pertencentes a um dos réus, onde foram constatadas irregularidades entre fevereiro e março de 2021. Na ocasião, os trabalhadores, recrutados em Curitibanos (SC) por uma das acusadas, estavam envolvidos na colheita de alho desde novembro de 2020.
Segundo o MPF, os trabalhadores eram transportados diariamente por um terceiro acusado, filho da recrutadora, que também supervisionava as atividades no local. A denúncia apontou que a mãe e o filho atuavam no aliciamento, enquanto o outro réu era responsável pela contratação e pagamento dos serviços.
As condições de trabalho foram descritas como precárias em relatório elaborado pela equipe de fiscalização, composta por auditores do trabalho, um procurador do trabalho, uma defensora pública federal e agentes da Polícia Federal. O alojamento apresentava beliches e colchões no chão, além de instalações sanitárias e lavanderia em mau estado. Não havia registro formal de emprego, contratos ou comprovantes de pagamento.
O MPF também relatou casos de violência, incluindo ameaças e coação para manter os trabalhadores no local. Houve menção ao uso de arma de fogo para intimidá-los. Além disso, um sistema de vales em troca de mantimentos, bebidas e até drogas foi registrado em cadernos, gerando dívidas que os impediam de deixar o trabalho.
A fiscalização resultou em 21 autos de infração por descumprimento das normas trabalhistas. Os trabalhadores foram afastados e receberam verbas rescisórias e seguro-desemprego.
Na sentença, o proprietário das terras e da plantação foi condenado a seis anos e um mês de prisão, em regime semiaberto, além de multa. A mulher acusada de aliciamento teve pena de dois anos e nove meses substituída por prestação de serviços comunitários e pagamento de três salários mínimos. O terceiro réu recebeu condenação de três anos, dois meses e 15 dias de reclusão, também em regime semiaberto, mais multa.
Os acusados negaram as acusações. O dono das propriedades disse apenas ter contratado os serviços da mulher temporariamente, desconhecendo a forma como ela lidava com os funcionários.
O juiz analisou o conjunto de provas apresentadas nos autos. “No caso concreto, constatou-se situação que transcendeu a mera inobservância de normas trabalhistas. As vítimas foram privadas de sua liberdade e submetidas a condições laborais que comprometeram sua dignidade, em violação direta aos direitos fundamentais assegurados pela ordem jurídica. A conduta observada não se limitou a descumprimentos formais, mas atingiu o núcleo da proteção conferida à pessoa humana”, concluiu o magistrado.
Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.