Acusado de estupro, o preso Thiago Brennand, de 43 anos, encarou a câmera da cadeia e concordou com o juiz em dar início ao seu interrogatório por videoconferência. Brennand estava sentado no banco dos réus, após ficar mais de seis meses foragido nos Emirados Árabes. Os detalhes do interrogatório, mantido sob segredo de Justiça, são revelados agora pelo Metrópoles.
Em quase duas horas de depoimento, o empresário chamou a denúncia de “absurdamente mentirosa”, colocou-se na posição de vítima do processo e chegou a insinuar que a mulher que o acusa já teria trabalhado como prostituta. Também optou por não responder a perguntas do Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Os advogados de Brennand incluíram no processo cerca de 1,5 mil mensagens de WhatsApp que teriam sido trocadas entre a americana e o empresário, no período de setembro a novembro de 2021, após a data em que teria ocorrido o estupro. Para a defesa, elas corroboram a versão de que o sexo foi consensual.
A audiência foi presidida pelo juiz Fernando Henrique Masseroni Mayer, da 2ª Vara de Porto Feliz, no interior paulista. À Justiça Brennand disse estar “preso por vontade própria”, que só voltou ao Brasil porque os pais estão doentes e reclamou que “não há uma punição reversa para essa onda de acusações sexuais”.
“Porque, se houvesse, não ousariam fazer um processo escatológico como esse”, afirmou o empresário. “Vingança é uma palavra muito pequena para uma atrocidade desse tamanho, entendeu? É preciso uma pessoa de uma índole muito, muito ruim, de uma crueldade draconiana, para fazer o que estão fazendo.”
ACUSAÇÃO
O primeiro caso a levar Brennand a prestar contas na Justiça é o de uma mulher que nasceu nos Estados Unidos e vive no Brasil há mais de uma década. Em plenário, a vítima declarou ter sido forçada pelo empresário a praticar sexo anal na casa dele, em Porto Feliz, em julho de 2021. O processo, em fase de alegações finais, aguarda sentença.
O depoimento da vítima durou 2h23. Nesse intervalo, o empresário, que está preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros desde o fim de abril, foi removido da sala virtual – motivo pelo qual os seus advogados também pedem a anulação da ação penal por “cerceamento de defesa”.
Segundo relatou à Justiça, a vítima conheceu Brennand ao tentar comprar um cavalo, e os dois mantiveram uma relação por alguns meses. Na época, apesar de não ter formalizado o divórcio, ela diz que já era separada do marido.
No início, o relacionamento seria normal. Depois, Brennand teria passado a fazer ameaças e a xingá-la de “puta”. O estupro teria acontecido em um fim de semana.
“A gente estava transando normal, uma coisa consensual no momento, até que ele começou a ficar muito agressivo, me forçar. Daí, eu não estava muito interessada mais e falei: ‘Menos, calma, diminui’. Ele não fala durante o sexo, ele simplesmente fica outra pessoa, agressivo assim (…) ele literalmente me virou, com a barriga para o chão, levantou a parte do meu quadril e eu coloquei a mão (…) Eu estava falando não, não quero, obviamente não nesse tom. Ele falou que, se eu não tirasse a mão, ia me machucar muito mais”.
A vítima afirma ter sofrido lesões. Ela só levou o relato ao MPSP após vir à tona a primeira denúncia contra Brennand – ele foi acusado de agredir a modelo Helena Gomes, em uma academia de São Paulo, em agosto de 2022.
À Justiça a americana alegou ter se sentido intimidada até resolver denunciá-lo, porque o empresário andava armado e já teria confessado homicídios (vídeo abaixo). Outro receio, disse ela, era ser vítima de “revenge porn”, ou “pornagrafia de vingança”.
O depoimento da mulher foi acrescido do que a acusação chamou no processo de “bizarrices comportamentais” de Brennand, para “colocar todos ao seu redor em situação de subserviência”.
Entre as “bizarrices comportamentais”, estariam hábitos como o de marcar pessoas e objetos com as iniciais de seu nome, o de exigir que a vítima assistisse a ele fazendo cocô e o de mandar uma funcionária, a quem supostamente chamava de “macaquinha”, raspar as suas partes íntimas. Convocada a depor, a empregada negou que o fizesse.
Interrogatório
Brennand foi sucinto ao ser confrontado com a denúncia logo no início da audiência. “Absurdamente mentirosa”, declarou. Em seguida, ficou mais solto, passou a falar mais e até pediu “escusas”, caso estivesse se alongando nas respostas.
“Eu estou aqui preso por vontade própria. Entrei em contato com o vice-presidente da Interpol para as Américas, doutor Valdecy Urquiza, delegado da Polícia Federal, e disse que iria voltar ao Brasil por vontade própria. Voltei porque meus pais estavam com cânceres, entendeu? Voltei sabendo que eu iria ser preso injustamente.”
Para o empresário, as razões de ter sido alvo de uma suposta acusação falsa estão ligadas a três motivos: 1) falta de “pena severa” para denunciação caluniosa; 2) “o momento propício político do país”; 3) o “caráter” da mulher que supostamente teria se revelado após ele resistir a tornar firme o relacionamento.
“Os motivos estão claros nos autos, né? As provas são inelutáveis. Uma pessoa que, além de já ter me solicitado dinheiro algumas vezes, se dizia não bem mantida pelo marido, ora ex-marido e tal. Me pediu para pagar advogado, pediu para pagar babá. Tentava, a todo preço, ter uma relação.”
No interrogatório, Brennand aproveitou algumas perguntas para citar interações que teve com autoridades, falar da sua rotina e enaltecer os próprios feitos no hipismo ao juiz. “Fui o único cavaleiro a começar aos 40 anos a chegar a nível de grande prêmio até hoje na história do esporte”, disse, na hora de responder como conheceu a vítima. Ele se descreveu, ainda, como alguém “muito recluso” que nunca deu entrevista “nem para a Caras”.
De acordo com a versão dele, o relacionamento com a americana começou após a mulher o procurar, pelo Instagram, querendo saber de uma pessoa em comum, que seria amante dela. Questionado sobre o estupro, Brennand alegou só ter feito sexo consensual na vida e disse nem gostar de fetiches.
“Costumo dizer que ‘sex shop’ é enfermaria sexual e ‘50 tons de Cinza’ é UTI. Para mim, é. Não sou afeito a nenhum tipo de coisa extra”, declarou, em juízo. “Relação de sexo anal é ‘ab initio’ desde o início Jamais, jamais [forcei relação]. Eu tenho um verdadeiro ódio a estuprador. Sempre fui pró-polícia minha vida inteira. E pró-ordem.”
Em outro momento, Brennand tentou manchar a reputação da mulher que o acusa.
“Ela me contou um pouco sobre a história dela. Parece que foi dada para adoção lá [nos Estados Unidos] e passou por um período de, como a gente chama em inglês, ‘hardship’, de miséria. Se relacionou com um traficante de drogas e, por isso, tem uma tatuagem enorme nas costas. E chegou — bom, é o que ela disse, não sei se é verdade — a se prostituir.”
Mensagens
A defesa de Brennand incluiu no processo cerca de 1,5 mil mensagens que ele teria trocado com a vítima, em inglês, entre setembro e novembro de 2021. A mulher também teria feito 40 chamadas de WhatsApp, que não foram atendidas. As datas indicadas são posteriores ao dia em que teria ocorrido o estupro.
Como a vítima não faz menção à violência nos textos, esse material é considerado chave para a tese dos advogados de Brennand. Em busca da sua absolvição, a defesa alega que, na verdade, o empresário estaria sofrendo retaliação por não corresponder às expectativas de uma mulher apaixonada – o que a vítima refuta.
“Como posso dizer que te amo sem eu dizer que te amo”, diz uma das mensagens atribuídas à mulher, supostamente datada de outubro de 2021. Em outra, no mesmo mês, ela parece cobrar Brennand sobre outras relações: “De qualquer maneira você vai se encontrar hoje com aquela loira (…) Tô com um pouco de ciúmes”.
Parte das mensagens traz, ainda, textos de conotação sexual e desabafos sobre a falta de interesse em um relacionamento sério. “Eu quero você. Por favor”, diz uma das mensagens. Ao que Brennand responde: “Mas você não demora muito para se tornar o peso mais pesado que eu já encontrei na vida”.
Exposta a trechos do material durante a audiência, a mulher reconheceu parte do conteúdo das mensagens, mas contestou o período indicado pela defesa. “Essas conversas não foram nessas datas. Essas conversas não têm nada a ver. Foram muito antes, no começo do relacionamento.”
Já nas alegações finais, o MPSP afirma que as provas foram extraídas do celular de Brennand por “expert” contratado pela defesa, alega ilicitude e pede que o material seja removido dos autos. Os advogados do empresário rebatem. “O MP deixa claro que todas as suas alegações foram feitas sem analisar o material, o que demonstra total desinteresse pela verdade dos fatos.”
Para a Promotoria, o interrogatório e demais provas dos autos atestam que Brennand atraía suas vítimas, “mediante sedução”, para “impor seu poder pessoal contra elas, tratando-as como objeto, com misoginia, desprezo, agressividade e violência”.
Brennand é réu, ainda, em outros oito processos, por crimes de violência sexual, tortura, ameaça, sequestro, cárcere privado, lesão corporal, corrupção de menores, calúnia, injúria e difamação.
Com informações do Metrópoles