Edilberto Lima tinha 42 anos quando um assalto virulento lhe causou cegueira em ambos os olhos. O caráter irreversível da nova condição fez o homem buscar ferramentas para ser de alguma forma independente. A tecnologia foi uma delas. Hoje, com quase meio século de vida, ele utiliza o celular para tudo. Da feitura de uma ligação telefônica à definição do melhor trajeto que fará a pé pelo Barroso, região da periferia de Fortaleza na qual mora e lida diariamente com a falta de acessibilidade. Em abril deste ano, ele começou a viver um pesadelo.
Um aparelho que o aposentado havia comprado apenas cinco meses antes apresentou falha no aplicativo de comando de voz após uma atualização automática do sistema operacional. O equipamento tornou-se praticamente inutilizável, o que fez Edilberto procurar uma loja credenciada da Motorola, fabricante do produto. “Disseram que o problema era meu e eu não tinha direito a nada. Mandaram eu me virar”, recorda.
Foi quando o homem dirigiu-se ao Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE). Queria judicializar a causa para tanto ter um aparelho, no qual o aplicativo para ajudar deficientes visuais funcionasse, quanto para ser indenizado pelos prejuízos decorrentes da atualização do sistema. Entre o celular deixar de funcionar e receber um novo, Edilberto passou seis meses sem telefone. Um semestre inteiro dependendo quase que totalmente da filha, Yasmin, de 11 anos, para resolver questões corriqueiras.
“Esse é um caso de violação do direito de acessibilidade. Foi um empurra-empurra danado na esfera administrativa: a Motorola dizendo que o problema era da Google e a Google dizendo que o problema era da Motorola. Enquanto isso, o Edilberto ficava sem ter como manusear uma ferramenta de caráter essencial. Mesmo com a atualização, tinham que ter garantido acesso a essa funcionalidade por um prazo mínimo. Não garantiram e levaram à obsolescência antecipada para quem precisava dessa ferramenta”, detalha o defensor Augusto Cunha, que atuou no caso.
O desfecho deu-se por meio de um acordo firmado entre as partes. O entendimento já foi homologado pela justiça e Edilberto conseguiu o que pleiteava: ganhou um celular novo, mais moderno e de acordo com as necessidades da rotina de uma pessoa cega, e foi indenizado pelos danos pela empresa de telefonia.
Aceitou e, inclusive, já aplicou o dinheiro em melhorias em casa. “Mas foi um sofrimento medonho que não desejo pra ninguém, porque eu não conseguia fazer nada e ficava o tempo todo pedindo ajuda pra minha filha. Eu fiquei refém, ilhado, num beco sem saída”, lembra. E atesta: “foi só procurar a Defensoria e botar na justiça que a Motorola me procurou. Quiseram botar boneco, me oferecendo um aparelho pior do que o que eu tinha, e eu não aceitei. Aí me deram um melhor”, comemora o aposentado.
O defensor destaca que nem sempre a decisão judicial é o melhor desfecho de um processo. Os acordos, além de legais, dão desfechos mais ágeis do que a espera por um veredicto. “A empresa procurou o Edilberto e negociou com ele uma proposta. Ele me perguntou se deveria aceitar ou não e eu expliquei que ficaria a critério dele, mas que essa construção direta era sim possível. Então, as duas partes, valendo-se da autonomia da vontade, de comum acordo, decidiram solucionar o caso com a cessão de um novo aparelho e uma indenização pelo aborrecimento”, acrescenta Augusto Cunha.