Na decisão que suspendeu as atividades do X no Brasil, o ministro Alexandre de Moraes aplicou o Marco Civil da Internet, além de regras previstas no Código Civil e na Lei Geral de Telecomunicações. O ministro também destacou a necessidade de que empresas estrangeiras com atuação no Brasil respeitem a Constituição.
Moraes ressaltou que o “desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais” por parte da plataforma contraria o Marco Civil da Internet, a legislação de 2014 que regulamenta o uso da rede no país. Segundo ele, empresas que atuam na internet devem ter representantes no Brasil para responder na Justiça pelos atos da empresa.
Ele também afirmou que a conduta de Elon Musk ao encerrar as atividades da rede social X no Brasil representa um “gravíssimo risco às eleições municipais de outubro próximo”. Segundo Moraes, a ação tem “a declarada e criminosa finalidade de deixar de cumprir as determinações judiciais brasileiras, colocando-se em um patamar de fora da lei, como se as redes sociais fossem terra de ninguém, verdadeira terra sem lei”.
“Obviamente, como qualquer entidade privada que exerça sua atividade econômica no território nacional, os provedores de internet devem respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos diretos emitidos pelo Poder Judiciário relativos a fatos ocorridos ou com seus efeitos perenes dentro do território nacional; cabendo-lhes, se entenderem necessário, demonstrar seu inconformismo mediante os recursos permitidos pela legislação brasileira”, declarou o ministro.
“O ordenamento jurídico brasileiro prevê, portanto, a necessidade de que as empresas que administram serviços de internet no Brasil tenham sede no território nacional e atendam às decisões judiciais que determinam a retirada de conteúdo ilícito gerado por terceiros, nos termos dos dispositivos anteriormente indicados, sob pena de responsabilização pessoal”, completou.
Veja abaixo os detalhes de cada uma das leis citadas na decisão do ministro:
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):
A lei, de 1942, estabelece que, para atuação no Brasil, mesmo as empresas estrangeiras ficam sujeitas à legislação brasileira. Ou seja, na prática, precisam obedecer às regras do país quando realizam atividades econômicas no território e podem ser responsabilizadas na Justiça caso desobedeçam às normas.
Código Civil:
O Código Civil define as regras para a criação de empresas, estabelecendo, por exemplo, que as sociedades empresariais devem indicar, na sua constituição, quem são seus administradores, seus poderes e atribuições.
Essa medida é necessária para garantir que as empresas respondam na Justiça quando chamadas a cumprir as obrigações da lei ou em caso de atos irregulares (por exemplo, quando são condenadas a indenizar por danos).
Assim como a LINDB, o Código Civil também estabelece que a empresa estrangeira com autorização para funcionar no país precisa ter, de forma permanente, um representante no Brasil. Esta pessoa deve ter poder para resolver questões sobre a empresa e receber notificações de processos na Justiça. O Código Civil prevê ainda que “a sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil”.
Marco Civil da Internet
Moraes afirmou que a atuação de Elon Musk e da rede social X contraria expressamente o Marco Civil da Internet.
Em vigor desde 2014, a lei regulamenta o uso da rede no país, estabelecendo os direitos e deveres de quem usa e explora a internet no Brasil.
Um de seus princípios é a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades. Ou seja, quem atua na internet tem direitos e deveres e deve responder na Justiça quando ocorre alguma irregularidade.
A lei permite que a Justiça requisite informações sobre os serviços diretamente às filiais das empresas estrangeiras no país. Esses dados podem ser usados, por exemplo, em investigações criminais — como no caso em que Moraes é o relator.
Caso desrespeitem as ordens judiciais, a lei estabelece que as empresas ficam sujeitas a sanções, como advertência, multa de até 10% sobre o faturamento no Brasil, suspensão temporária das atividades (medida aplicada por Moraes) e proibição de exercício de atividades.
Lei Geral de Telecomunicações:
Moraes também citou a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, que exige que empresas de telecomunicações que utilizem satélite sejam criadas de acordo com as “leis brasileiras e tenham sede e administração no país”. Além da rede social, Musk é proprietário da Starlink, empresa de internet via satélite.
“Desse modo, quando a empresa for estabelecida no Brasil, embora integrante de grupo econômico de pessoa jurídica de internet sediada no exterior, estará sujeita à legislação brasileira no tocante a qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional”, explicou o ministro.
Responsabilidade solidária de empresas
Moraes mencionou ainda dispositivos do Código Civil e do Marco Civil da Internet para estabelecer a responsabilidade solidária das empresas de Musk no pagamento das multas pelo descumprimento de decisões judiciais.
A responsabilidade solidária ocorre quando mais de uma pessoa (física ou jurídica) é chamada a cumprir uma obrigação ou a pagar por um dano. Neste caso, é possível exigir o cumprimento de uma decisão judicial de qualquer uma delas — ou seja, qualquer uma das empresas pode ser demandada a pagar as multas determinadas por Moraes.
Isso é possível porque o ministro entendeu que as empresas de Musk formam um “grupo econômico de fato”. Embora sejam companhias diferentes, com atuações autônomas e atividades distintas, elas têm a mesma coordenação e comando, agindo com objetivos semelhantes.
Nessas situações, o Código Civil permite que a execução das multas seja direcionada para uma delas ou até mesmo para as pessoas físicas que comandam a sociedade.
Investigações
A decisão de Moraes foi tomada em meio a uma investigação de delitos de obstrução de investigação de organização criminosa e de incitação ao crime. O primeiro está na Lei de Organizações Criminosas; o segundo, no Código Penal.
Moraes explicou que a “investigação demonstrou a participação criminosa e organizada de inúmeras pessoas para ameaçar e coagir delegados federais que atuam ou atuaram nos procedimentos investigatórios contra milícias digitais e a tentativa de golpe de Estado”.
“As redes sociais — em especial o ‘X’ — passaram a ser instrumentalizadas com a exposição de dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares”, afirmou.
No âmbito desses casos, o ministro determinou o bloqueio de perfis e contas de suspeitos dos crimes, sob pena de multa. As determinações foram reiteradamente descumpridas, e Musk informou que deixaria de ter representação no país. Por isso, Moraes suspendeu as atividades da rede social.