Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alertam que a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), previstos na reforma tributária (Emenda Constitucional 132/2023), pode fazer triplicar o número de processos na Justiça. A avaliação consta em relatório aprovado pela 1ª Seção da Corte, responsável por julgar ações de Direito Público.
O documento aponta que cada fato gerador pode resultar em três cobranças diferentes — uma da União, outra dos estados e uma terceira dos municípios — o que pode gerar mais de 28 mil novas ações só no STJ. O aumento projetado é de 35% no volume de processos tributários.
CRÍTICAS A PROPOSTAS DO GOVERNO
O relatório também faz críticas a ideias defendidas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério da Fazenda, como a criação de um órgão único para julgar as disputas sobre os novos tributos e a previsão de ações judiciais que começariam diretamente no STJ.
Para os ministros, essas medidas trariam “desafios intransponíveis” e sobrecarregariam o tribunal. Além disso, segundo o texto, o modelo poderia prejudicar o direito de defesa dos contribuintes e criar barreiras ao acesso à Justiça.
As críticas geraram desconforto dentro do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute justamente propostas para organizar o contencioso tributário pós-reforma.
PROPOSTAS PARA REDUZIR A LITIGÂNCIA
Apesar das críticas, o STJ apresentou três sugestões para evitar o aumento de processos com a chegada da CBS e do IBS:
- Unificar a cobrança dos dois tributos, para que a mesma dívida não gere processos separados por União, estados e municípios;
- Fixar limites de valor (alçadas) para saber quem deve julgar as cobranças: causas pequenas com os municípios, médias com os estados e maiores com a União;
- Exigir que os contribuintes tentem resolver o problema pela via administrativa antes de ir à Justiça, para tentar reduzir o número de ações.
Essa última ideia, no entanto, é controversa. O STF já decidiu, em casos recentes, que não é necessário apresentar pedido administrativo antes de entrar com ações tributárias, especialmente quando há urgência ou risco de prejuízo imediato.
IMPACTO NAS EXECUÇÕES FISCAIS
Se cada ente federativo fizer sua própria cobrança separadamente, o número de execuções fiscais pode subir 26%, ultrapassando 680 mil novos processos. A Justiça Federal seria a mais impactada, com aumento de até 107% na movimentação de casos, enquanto na Justiça Estadual o crescimento estimado seria de 16%.
Nas ações movidas por contribuintes contra cobranças indevidas, o STJ prevê até 236 mil novos casos — um crescimento de 9%.
FALTA DE DEFINIÇÕES AUMENTA INCERTEZAS
Especialistas ouvidos apontam que parte do receio com o aumento de litígios se deve à indefinição sobre como será organizado o novo sistema tributário. A ausência de um Comitê Gestor estruturado e a falta de regras claras sobre quem julgará os conflitos alimentam a incerteza.
Para a tributarista ouvida sob reserva, o relatório dá mais atenção à sobrecarga do Judiciário do que à segurança jurídica dos contribuintes. Segundo ela, o texto também não leva em conta que, com o tempo, o número de ações envolvendo os tributos antigos deve cair, o que pode compensar parte do aumento previsto com os novos.
CNJ ESTUDA SOLUÇÕES EM PARALELO
O grupo de trabalho do CNJ continua debatendo medidas para organizar o contencioso da reforma tributária. O prazo para apresentar um relatório final é de 45 dias. Participam representantes do Judiciário, da AGU, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e das procuradorias estaduais e municipais.
O ministro Paulo Sérgio Domingues, que ajudou a elaborar o relatório do STJ, também faz parte do grupo do CNJ, o que pode facilitar o diálogo entre as duas frentes. Enquanto isso, o alerta do STJ deixa claro que o sistema de Justiça precisa se preparar para o impacto que a reforma pode causar.