O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) que determinou a uma operadora de plano de saúde pagar pela importação de medicamento para o tratamento da síndrome de Sézary, um tipo de linfoma cutâneo. O remédio foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas teve o seu registro cancelado por falta de interesse comercial.
Ao estabelecer a distinção entre esse caso e a tese fixada pela Segunda Seção no julgamento do Tema 990 dos recursos repetitivos – no qual ficou definido que as operadoras não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa –, o colegiado considerou não haver risco sanitário na importação do produto.
Para o tratamento da doença, a paciente recebeu a prescrição de medicamento antineoplásico não disponível no mercado brasileiro. Conforme os autos, a operadora se recusou a arcar com os custos do remédio sob o fundamento de que o contrato de plano de saúde não teria sido adaptado à Lei 9.656/1998; portanto, deveria prevalecer a cláusula contratual que excluía da cobertura medicamentos e vacinas utilizados fora do regime de internação hospitalar.
A paciente, então, passou a pagar o medicamento com recursos próprios (a importação de produto sem registro, por pessoa física, é autorizada por nota técnica da Anvisa), até que decidiu ajuizar a ação contra a operadora.
Com base na nota técnica, o magistrado de primeiro grau condenou a operadora a custear a importação e a reembolsar os valores gastos pela paciente até aquele momento. O TJ-PR manteve a condenação, apenas condicionando o reembolso à prévia liquidação de sentença.
Quando o processo estava em segundo grau, a paciente morreu e foi sucedida nos autos pelo espólio.
CDC e dignidade humana
O relator do recurso da operadora, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que, se o contrato fosse regido pela Lei 9.656/1998, a controvérsia teria solução simples, já que o seu artigo 12 determina a cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares, como era o caso dos autos.
Entretanto, nos contratos não adaptados à Lei 9.656/1998, o relator entende que é necessário analisar a cláusula limitativa da cobertura à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), dos princípios gerais do direito das obrigações e da própria Constituição, especialmente no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
De acordo com o ministro, o artigo 54, parágrafo 4º, do CDC – segundo o qual as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor devem ser redigidas com destaque – já seria suficiente para invalidar a disposição contratual.
Além disso, o relator ressaltou que a doença da paciente era de extrema gravidade, a ponto de levá-la a óbito no curso da ação, e que a quimioterapia oral é um tratamento normalmente prescrito para o câncer. “Essa gravidade extrema da doença traz à tona o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, na sua eficácia horizontal”, disse.
Razões comerciais
Em relação ao Tema 990, Sanseverino destacou que os fundamentos que levaram a Segunda Seção a desobrigar os planos de fornecer medicamentos não registrados pela Anvisa têm relação com o risco sanitário da comercialização de produtos não submetidos a testes de segurança e eficácia.
No caso dos autos, porém, o ministro apontou não haver risco sanitário, já que o registro do medicamento no Brasil foi cancelado por questões comerciais, não de segurança ou eficácia. Adicionalmente, o relator reiterou que a própria Anvisa se manifestou nos autos pela legalidade da importação, desde que em nome da paciente, pessoa física.
“Essas particularidades do caso concreto justificariam, a meu juízo, uma distinção com o Tema 990, a fim de se excepcionar a tese na hipótese de medicamento com registro cancelado por motivo comercial, determinando-se a cobertura na modalidade de reembolso de despesas, como bem entenderam o juízo e o tribunal a quo”, concluiu o ministro.
Com informações do STJ