A necessidade financeira não é o único critério considerado para a concessão da gratuidade de justiça nos tribunais brasileiros, afirmam os pesquisadores do estudo Custas Judiciais e Gratuidade da Justiça. A partir de levantamento do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi possível inferir que a concessão da gratuidade não segue rigorosamente o fundamento da hipossuficiência de recursos das partes que ingressaram com o processo judicial. Além disso, magistrados e magistradas nem sempre justificam suas decisões de conceder ou não a gratuidade.
Os resultados foram apresentados na quarta-feira (27/9) durante o Seminário de Pesquisas Empíricas Aplicadas a Políticas Judiciárias. Integrante do grupo de trabalho criado pelo CNJ para propor melhorias aos regimes de custas, taxas e despesas judiciais, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Cláudio Brandão alertou que, desde o início das atividades do GT, foram identificadas discrepâncias entre os tribunais brasileiros no que se refere à cobrança da taxa judiciária, que, em muitos casos, é demasiadamente elevada. Em outros locais, formados por pessoas com poder aquisitivo maior, foram encontradas as mesmas taxas com valores menores.
Coordenador dos debates do seminário e integrante do GT, o conselheiro do CNJ Richard Pae Kim apontou que o estudo deve fornecer os subsídios para o trabalho do GT. O conselheiro ressaltou que as informações servirão para auxiliar ao grupo na elaboração de políticas judiciárias voltadas à ampliação do acesso à Justiça, à melhoria dos sistemas de custas e taxas, além de avaliar se os critérios para a gratuidade estão sendo devidamente respeitados. “Esse projeto que buscou a análise da relação entre as concessões da gratuidade de Justiça, a partir dos indicadores socioeconômicos dos municípios e, por extensão, das comarcas, foi muito bem elaborado pela equipe envolvida”, declarou.
Estudo
Para a pesquisadora do Insper Luciana Yeung, responsável pela apresentação dos dados qualitativos do levantamento, a pesquisa trouxe reflexões que motivam pesquisas futuras sobre o tema da gratuidade da justiça. “O CNJ tem um papel essencial na continuidade dessas investigações, que requerem muita pesquisa empírica para termos um retrato fiel dessa realidade”, disse.
A pesquisa buscou processos judiciais em tramitação no estado de São Paulo, independentemente do segmento de Justiça, que tivessem como movimentação processual a concessão, integral ou parcial, a não concessão da gratuidade e até mesmo a revogação. Após a análise dos dados obtidos, ficou evidente a ausência de padrão, já que foram encontrados diferentes valores de causa e Justiça Gratuita, em relação a competências, classes ou assuntos. “Por mais significativos que tenham sido os dados obtidos no estado, eles nos dão apenas indícios do que está acontecendo no país”, esclareceu Luciana.
Responsável pela análise quantitativa da pesquisa, o coordenador de Análise Estatística da Diretoria de Planejamento Estratégico do TJSP, Emerson Takase, afirmou que todo o trabalho foi orientado com o intuito de apontar se havia alguma correlação entre processos que têm a concessão da gratuidade com os indicadores dos municípios onde nasceram esses litígios.
Os pesquisadores também compararam os dados obtidas na Justiça Estadual com a da Justiça do Trabalho. Boa parte dos processos de competência estadual tinha como característica a não concessão. Já na Justiça do Trabalho, a proporcionalidade de concessão é muito maior que a de não concessão. Entre as inúmeras justificativas utilizadas para a não concessão de gratuidade estão a ausência de elemento que comprove a hipossuficiência ou a insuficiência de recurso, a contratação de um advogado particular por parte de quem solicita o benefício, a natureza ocupacional do autor do pedido, como servidores públicos, militares etc. “O estudo mostrou que há uma preocupação judicial maior em justificar a não concessão que o contrário”, declarou Yeung.
Durante o debate, a juíza auxiliar da Presidência do TST e representante do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), Adriana Meireles Melonio, destacou as características diferenciadas vivenciadas em seu segmento de Justiça. Com uma regulamentação própria, a Justiça trabalhista prevê gratuidade compulsória da Justiça para causas que não ultrapassam dois salários mínimos. Adriana esclareceu que a premissa de quem tem a gratuidade de Justiça são os reclamantes com natureza de pessoas físicas, que podem ter seu pedido deferido ou não. “O fato de uma pessoa ter gratuidade não significa que o processo não terá um custo, já que, na maioria das vezes, esse custo será pago pela parte vencida. Por todas essas características, é que o olhar para a Justiça do Trabalho precisa ser diferenciado”, defendeu.
Acesso à Justiça
Pesquisadora do DPJ/CNJ, Olívia Pessoa chamou a atenção para a necessidade da manutenção do equilíbrio dos custos dos processos e o acesso à justiça. “O acesso à Justiça, direito fundamental básico, é mais amplo que o acesso à gratuidade, no entanto os custos dos processos são um obstáculo ao acesso. Logo, as taxas da não gratuidade podem limitar uma litigância de má-fé, no entanto é preciso avaliar o quanto isso pode dificultar o acesso à Justiça para as populações mais vulneráveis”, disse.
Para a pesquisadora, a ausência do dado sobre a relação entre os fatores socioeconômicos e a gratuidade é um entrave para um estudo mais aprofundado sobre essas variáveis. Olívia ponderou ainda que, no debate sobre o acesso à Justiça, é fundamental considerar também o quantitativo de demandas que não chegam ao Judiciário. “A pesquisa nos leva a pensar sobre a existência de outra realidade. Nesse sentido, há a possibilidade de que as pessoas mais vulneráveis não estejam conseguindo acessar essa justiça”, pontuou.
A juíza do TJSP Renata Mota Maciel ponderou sobre o equívoco comum de restringir o acesso à Justiça às questões de gratuidade. Em sua avaliação, só é possível compreender a gratuidade se a análise for feita por demandas específicas, já que o panorama não é uniforme. “Na Justiça do Trabalho, a gratuidade é alta em função do perfil da demanda, mas quem arca com os custos do processo é parte vencida. Mas não sabemos, por exemplo, qual o índice de vencidos que têm a gratuidade”, aventou.