A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) protocolaram no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) contra a Resolução CFM nº 2.427/25, recentemente editada pelo Conselho Federal de Medicina.
A norma revoga dispositivos da Resolução CFM nº 2.265/19 e impõe novas restrições ao acesso de pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes, a cuidados médicos relacionados à identidade de gênero.
Entre as principais proibições introduzidas estão:
- bloqueio hormonal durante a puberdade;
- hormonização antes dos 18 anos;
- restrições quanto à idade mínima para realização de cirurgias de afirmação de gênero.
As entidades pedem a imediata suspensão da nova norma e a restauração dos direitos anteriormente garantidos, argumentando que a resolução representa um grave retrocesso jurídico, ético e científico.
No documento enviado ao STF, Antra e Ibrat sustentam que a norma fere diversos princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos da criança e do adolescente (art. 227 da CF).
As organizações destacam que o STF já reconheceu a identidade de gênero autopercebida como elemento protegido pela Constituição, citando como precedente a ADIn 4.275.
Outro ponto ressaltado é a violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que a resolução impõe proibições absolutas, mesmo havendo consenso técnico e evidências científicas sobre a segurança e eficácia dos procedimentos.
A petição também enfatiza que a nova regra adota uma lógica cisnormativa, ao tratar a cisgeneridade como padrão e patologizar vivências trans. As entidades lembram que a Organização Mundial da Saúde não classifica mais a transgeneridade como transtorno, reconhecendo-a como parte da diversidade humana.
O texto cita ainda parecer anterior do próprio Conselho Federal de Medicina (Parecer nº 8/13), que reconhecia os benefícios do bloqueio hormonal e da hormonização precoce para jovens trans. Também aponta que a literatura médica internacional considera o bloqueio hormonal como reversível, seguro e eficaz para evitar danos causados pela puberdade não desejada.
De acordo com os autores, a resolução reflete uma influência político-ideológica alinhada a setores ultraconservadores, desconsiderando a realidade de crianças e adolescentes trans. Segundo o texto, trata-se de um “retrocesso social arbitrário” que institucionaliza o sofrimento e reforça uma lógica já superada pela ciência internacional.
A petição ainda menciona que o Brasil responde atualmente a processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações ao direito à saúde de uma mulher trans, o que, segundo as entidades, reforça o contexto de omissão institucional e de transfobia estrutural no país.
Ao final, a ação requer:
- a suspensão cautelar da Resolução CFM nº 2.427/25;
- o restabelecimento da Resolução CFM nº 2.265/19;
- a declaração de inconstitucionalidade total da nova norma; ou, de forma subsidiária,
- a invalidação de dispositivos específicos, como o art. 5º (bloqueio hormonal), o § 2º do art. 6º (hormonização antes dos 18 anos) e o § 3º, incisos II e III do art. 7º (restrições à idade mínima para cirurgias).