Uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) foram tomadas desde 2020 no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, em que se discute a letalidade dos agentes de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Entre elas estava a determinação de que o governo estadual elaborasse um plano para solucionar o problema, com medidas como a instalação de câmeras e equipamentos de geolocalização (GPS) nas fardas de policiais e a gravação em áudio e vídeo em viaturas, a proibição de que escolas, creches, hospitais ou postos de saúde sejam utilizados como base para operações policiais e a restrição ao uso de helicópteros nas comunidades, exceto em casos de estrita necessidade, comprovada por relatório no final da operação.
Gravidade do cenário
Em seu voto no mérito da ADPF, apresentado na primeira sessão de julgamentos de 2025, o relator, ministro Edson Fachin, reconheceu a gravidade e a complexidade das disputas territoriais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada, da circulação ilegal de fuzis e armamento pesado e das dificuldades de trabalho das forças policiais, especialmente com o crescimento do número de barricadas que impedem qualquer aproximação.
Contudo, ressaltou que atribuir a causa de problemas crônicos e anteriores à ADPF 635 às medidas adotadas pelo STF “consiste não apenas em grave equívoco, mas em inverdade”. No julgamento em questão, o STF não está a restringir ou impedir a atuação das forças de segurança, seja nas comunidades do RJ ou em quaisquer outras, uma vez que a decisão sobre quando agir, como agir e sobre a necessidade das operações cabe às próprias forças policiais.
Aumento de operações
O relator elencou dados do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) segundo os quais o número de operações policiais tem aumentado, com registro oficial de 457 somente nos primeiros quatro meses de 2024. Para o ministro, esse dado derruba insinuações de que as restrições impostas pelo Supremo estariam impedindo o trabalho adequado das forças policiais e fortalecendo organizações criminosas.
O relator salientou que as evidências demonstram resultados significativos após a implementação das medidas cautelares determinadas pelo STF, com destaque para a redução considerável do número de mortes decorrentes de intervenção policial e do número de agentes policiais mortos.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2023 foram registradas 871 mortes por intervenção de agentes policiais, o menor patamar no estado desde 2015. A redução foi de 52% em relação a 2019 (ano em que a ADPF foi apresentada), quando foram registradas 1.814 mortes.
Redução da criminalidade
As estatísticas também mostram a queda dos índices oficiais de crimes que resultaram em mortes (18,4%), roubos de veículo (44%), roubos de rua (57,2%), roubos a transeuntes (60,9%), roubos a coletivos (64,3%), roubos de celular (42,2%) e roubos de carga (56,8%).
Dados referentes a 2024 apontam que o índice de homicídios dolosos foi o menor da série histórica, desde 1991, com redução de 11% em relação a 2023, e que as mortes decorrentes de intervenção policial mantiveram a tendência de queda, com redução de 20%. Em relação ao número de roubos, houve aumento, mas fortemente concentrado no mês de dezembro.
Mortes de policiais em serviço
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve crescimento nas mortes de policiais civis e militares em confronto no Brasil, mas, no Estado do Rio de Janeiro, a tendência foi em sentido oposto, passando de 22 policiais civis e militares mortos em serviço em 2019 para 11 em 2023, uma redução de 50%.
Na ação, apresentada em 2019, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) sustentou que há uma violação massiva de direitos fundamentais em razão da omissão estrutural do poder público estadual em elaborar um plano para reduzir o índice de mortes em ações policiais. O PSB afirmou, entre outros pontos, que a política de segurança pública local, “em vez de buscar prevenir mortes e conflitos armados, incentiva a letalidade da atuação dos órgãos policiais”.
Tramitação
Em fevereiro, o ministro Fachin propôs a homologação parcial do plano apresentado pelo governo estadual e recomendou a adoção de algumas medidas complementares, como a criação de um comitê externo para acompanhar sua implementação. Após o voto do relator, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, suspendeu o julgamento. Ele ponderou que, em razão da profundidade do voto e da complexidade da questão, é necessário um prazo para que o colegiado busque construir consensos sobre os diversos pontos analisados.