O serviço de fretamento oferecido por aplicativos, considerado uma forma irregular de transporte rodoviário de passageiros e uma prática de concorrência desleal, deve ser proibido até que haja uma legislação adequada. A decisão foi tomada pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira (18/6), ao negar o recurso especial do aplicativo de fretamento coletivo de ônibus Buser.
Com essa decisão, o STJ manteve o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relatado pelo desembargador Rogério Favreto, que havia proibido o serviço a pedido da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos estados do Paraná e Santa Catarina (Fepasc).
O julgamento tratou especificamente das viagens interestaduais para o Paraná. A decisão foi unânime, seguindo o voto do relator, ministro Mauro Campbell.
A controvérsia envolve várias ações contra o modelo de negócios da Buser e outras empresas de intermediação de fretamento de ônibus para transporte de passageiros. Essas ações, como a movida pela Fepasc, argumentam que o transporte rodoviário de passageiros é um serviço público que requer autorização formal da administração, conforme legislação e normas das agências reguladoras.
Ao operar fora desse sistema, a Buser se beneficia ao transportar passageiros em linhas economicamente viáveis sem arcar com os custos tributários e operacionais, como a obrigação de oferecer transporte em áreas de baixo fluxo, respeitar frequências e conceder gratuidades.
A Buser, por sua vez, argumenta que não presta serviço de transporte, não possui frota nem motoristas, atuando apenas como uma plataforma de tecnologia que intermedia a contratação de serviços de fretamento.
O ministro Mauro Campbell, relator na 2ª Turma, concordou com a parte autora, citando o Decreto 2.521/1998, que exige que o serviço de fretamento seja realizado em circuito fechado, com ida e volta garantidas e autorização prévia da agência reguladora. A Buser, entretanto, oferece viagens só de ida e cobra passagens em operações conjuntas com empresas parceiras, promovendo, portanto, o transporte irregular de passageiros.
Além disso, a Buser oferece trajetos diários com preços individuais e horários fixos, muitas vezes sem informar qual empresa será responsável pelo transporte. A regularidade do serviço indica que ele não é ocasional, mas permanente, configurando concorrência desleal com prestadores de serviço regulares de transporte interestadual de passageiros, concluiu o relator.
Para o ministro Mauro Campbell, a Buser se aproveita das vantagens da inovação tecnológica em um contexto onde o poder público não consegue regular eficazmente as atividades financeiras. Embora a tecnologia tenha efeitos positivos, seu impacto econômico deve ser mitigado para evitar efeitos negativos como a perda de empregos e a desestabilização do setor econômico.
“Nessa circunstância, onde o direito regulatório está desalinhado com atividades inovadoras que desequilibram o mercado, é apropriada a intervenção judicial restrita até que a legislação pertinente seja aperfeiçoada,” afirmou o relator.
O QUE DIZ A BUSER
Em nota, a Buser informou que ainda não foi notificada da decisão e que pretende recorrer, destacando que a decisão abrange apenas as viagens interestaduais para o Paraná e o modelo de fretamento colaborativo. A empresa afirmou que os usuários da região continuarão sendo atendidos pelo serviço de revenda de passagens em parceria com empresas rodoviárias.
A Buser ressaltou que o fretamento colaborativo já foi legalmente reconhecido na maioria dos estados e nos principais tribunais do país, como o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que decidiu pela legalidade da empresa no Rio de Janeiro em 2023; a Justiça Federal do Distrito Federal, que proibiu a ANTT de apreender viagens intermediadas pela Buser; e o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Edson Fachin rejeitou um pedido para suspender a Buser, levando a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) a desistir da ação em 2021. A empresa também mencionou que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a legalidade da plataforma em 2020.