Pelo quinto ano consecutivo, o Brasil vive um declínio na maneira como o Estado de Direito é percebido e aplicado por sua sociedade. Esse processo é amplificado por uma Justiça civil demorada, cujas decisões ostentam baixa efetividade, além de um sistema penal altamente parcial.
Essa é a conclusão apresentada pela edição 2022 do Rule of Law Index, levantamento feito pela organização independente e multidisciplinar World Justice Project (WJP), para medir como o Estado de Direito é vivenciado ao redor do mundo.
Para isso, o WJP usa dados públicos e milhares de questionários respondidos por cidadãos e operadores do Direito. O termo “Estado de Direito” é definido como um sistema composto por leis, instituições, normas e compromissos capaz de oferecer responsabilização, leis justas, transparência da gestão pública e um sistema de Justiça acessível e imparcial.
Essa avaliação é feita com base em oito fatores primários: restrições ao poder governamental, ausência de corrupção, transparência, direitos fundamentais, ordem e segurança, aplicação das leis e normas, Justiça civil e sistema criminal.
Desde 2016, a posição brasileira vem caindo no ranking. Em 2022, o país ocupa a 81ª colocação entre 140 países, quatro posições abaixo do relatório de 2021. Motivo de preocupação maior é o fato de as notas de avaliação também apresentarem piora consistente no período.
Segundo a ministra aposentada do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, o Rule of Law Index não tem como função elencar quais os países merecedores da admiração da comunidade internacional. Em vez disso, oferece aos administradores a possibilidade de adotar bons exemplos de países com que tenham relação para promover melhorias em determinados setores.
“Temos aqui uma análise de percepção da população a respeito desses diversos fatores”, pontuou a ministra, na reunião de apresentação dos resultados de 2022. “As preocupações com o Estado de Direito sempre foram vistas como algo que interessava apenas a magistrados e advogados. No entanto, dizem respeito também aos cidadãos. É um tema para todos e que merece atenção”, alertou.
Como vai o Brasil
A análise feita pelo Rule of Law Index classifica os países com notas de 0 a 1. A avaliação de 0.49 coloca o Brasil abaixo da média global (0.55) e inclusive abaixo da nota da região que integra, da América Latina e Caribe (0.52). Argentina, Chile, e Uruguai são os sul-americanos melhor avaliados por suas próprias populações.
Dentre os oito fatores primários, a nota brasileira só melhorou naquele em que está pior ranqueado: Justiça criminal. O país ocupa a 112ª colocação. Essa análise envolve não apenas o Judiciário, mas a atuação da polícia, advogados, Ministério Público e o sistema carcerário.
Os subtemas destrinchados pelo índice da WJP mostram que a percepção no país é de que a investigação criminal é pouco efetiva e que os julgamentos são ainda menos oportunos e eficazes. O sistema correcional — as prisões, em suma — tem pouco sucesso em reduzir comportamentos criminosos.
A pior nota dentre todos os subtemas avaliados por brasileiros, no entanto, diz respeito à parcialidade do sistema criminal. Nesse quesito, o país ostenta a segunda pior colocação, 139º lugar entre 140. A nota sobre o devido processo legal criminal também é bastante inferior à média regional e mundial.
A queda de desempenho mais substancial em 2022 foi registrada no fator Justiça civil. É o tema que avalia se pessoas comuns conseguem resolver seus problemas de forma pacífica e efetiva por meio do sistema.
Os dados indicam que, por um lado, o brasileiro vê esse sistema como acessível, livre de corrupção e imparcial. Mas, por outro, há discriminação, influência do governo e, principalmente, demora para além do razoável e baixa aplicação das decisões.
Como vai o resto do mundo
O declínio do Estado de Direito não é exclusividade brasileira, conforme mostram os dados. Houve piora dos índices em 61% dos 140 países analisados. É o quinto ano consecutivo em que mais países apresentaram resultados negativos em relação àqueles em que registrou-se melhora.
A edição 2022 do documento é, ainda, a mais completa desde 2008, quando a primeira versão foi produzida, analisando apenas 6 países. Com 140 nações pesquisadas, os resultados abarcam as percepções de 95% da população mundial. Os resultados não animam.
Segundo o WJP, há uma tendência autoritária que já existia antes da epidemia da Covid-19 e que se manteve em alta, com queda da percepção sobre restrições feitas à atuação dos governos em 58% dos países. Inclui-se aí a supervisão feita pelo Judiciário, Legislativo e imprensa locais.
Há, ainda, uma ampla erosão dos direitos fundamentais em andamento. O respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais caiu em 66% dos países. Desde 2015, mais nações apresentaram piora nesse quesito do que melhora.
No mesmo período, o Estado de Direito se deteriorou em 64% dos países. A maior diferença foi sentida no Egito e de maneira negativa: a percepção da população piorou em 19,5%. A grande melhora foi de Moldova, uma pequena república do leste europeu: melhora de 8,6%.
O top 10 dos países que se veem em pleno acordo com o Estado de Direito é quase totalmente de europeus. A melhor nota é da Dinamarca, seguida por Noruega, Finlândia, Suécia, Holanda, Alemanha, Nova Zelândia, Luxemburgo, Estônia e Irlanda.
Com informações da Conjur